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GENNARO-CABECA-COLUNA

A presença do Cavaleiro da Esperança

07/02/2025

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As colunas neoclássicas do edifício eram coloridas por tons ocres.

Suas linhas verticais em concavidades esculpidas. Estas, em volutas coríntias e seus capitéis. Faziam contrastes com a suas bases aureoladas em anéis sobrepostos.

Agora, salpicadas de dejetos dos pombos. Voavam em círculos a procura de alimento sobre os pisos de pedras portuguesas. Aqui e ali intercalados com pedras claras e escuras. Desenhados em pinhões estilizados.

Desde suas escadarias com lances geométricos e pitagóricos veríamos, a Praça com densa vegetação de araucárias e pequenos arcos de metal protegendo a grama da jardinagem. No centro desta, uma fonte d’água com a máquina hidráulica avariada. Ciscando o chão, alguns pássaros a procura de água empossada.

Chovera na madrugada anterior.

Ao fundo, onde os olhares rumavam para o leste; o Majestoso Teatro Guaira.

Mais uma obra do Arquiteto Rubens Meister.

Este sólido edifício, com sua empena frontal envidraçada, translúcida, sustentada por tramas metálicas, a refletir o azul do céu, nos reflexos daquela manhã ensolarada.

O brilho metálico de um jato, na trajetória trigonométrica de pouso para o aeroporto Affonso Penna, rasgou de branco o azul pálido, refletido, naquela empena envidraçada.

Sólidos e gasosos de um mesmo azul.

O painel do múltiplo Poty denso de relevos em concreto continha uma escrita , para nós ainda, áspera e indecifrada.

Estaria o convidado naquele avião? Será que ele está chegando? Virá mesmo?

Perguntavam-me, alguns amigos moradores de Casas de Estudantes. Ávidos de notícias. Éramos párias, embora universitários buscando, ascensão social adentrando no Clássico Edifício da UFPR.

Não! Ele já chegou! Informou-me, com seu sorriso sábio um solícito aluno de Direito .

Com ares de anfitrião, nos informou:

– Chegou ontem a noite! Está com o pessoal do Partido! Daqui há pouco irá discursar no Anfiteatro.

E gritou: “Pessoal entrem rápido no Anfiteatro! Tá enchendo de gente!”

Em 20 ou 30 acadêmicos “voamos lépidos”para dentro do Clássico Edifício Sede da UFPR. Ali estávamos no Anfiteatro. Com suas poltronas de madeiras lapidadas de pura madeira de araucárias. Envernizadas, luminosas. Poltronas que sobreviviam hà décadas sob a selvageria acadêmica. A plateia formava-se frenética e aos empurrões, cotoveladas e xingamentos, na disputa por um lugar.

Tudo dentro da ética e boa educação de aprendizes de Leis. Sentei-me na poltrona, forasteiro e intruso. Enquanto resvalava minhas mãos sobre os apoios de braço…. pude sentir o odor da madeira….e um delicioso perfume feminino que exalava próximo.

Pensara quem seria o Santos Andrade que deu nome a Praça? Pensara, no holerite a ser preenchido em cartões perfurados para a a Aula de Computação no Centro Politécnico? Aquele volume de cartões amarelos aguardando minha perfuratriz manual. Meu Deus! Ainda aquela aula de Cálculo Integral II? E a prova de Resistencia de Materiais daqui há dois dias! Putz….

Peixe fora d’água…. estava em outro Aquário. Na turma de Direito da UFPR.

O Burburinho da Plateia aumentara. Sons em frenesi. Aplausos, assovios, vaias…

No palco, deslocavam-se da esquerda para a direita os integrantes, solenes da mesa diretora. Acadêmicos solenes, em seus ternos bem talhados e gravatas reluzentes acomodam-se. E principiam uma fala. Inaudível a princípio. Lentamente os gritos e apupos diminuem. Há um microfone e caixas de som.

É anunciada a presença, naquele auditório ou anfiteatro a presença do “Cavaleiro da Esperança” O Lendário, Capitão Luis Carlos Prestes.

À mesa, Prestes recebeu, um entusiástico e demorado aplauso. Vibrante manifestação de júbilo da Platéia.

Incrível Isto…pensei. Como estes burgueses parecem estar na Assembleia Geral do Partido Comunista Chinês? E por falar em Mao Tse Tung, a Coluna Prestes -Miguel Costa inspirou a sua Longa Marcha. Pensava em minhas leituras históricas.

E Prestes falou. Emocionou. Falou do Brasil. Do Planeta. Então…” abriu” as perguntas ao Público.

Eu perguntei-lhe: “Como foi o incidente em Caçapava onde a sentinela da Coluna foi morto mas conseguiu avisar os demais que se salvaram?”.

Prestes ficou surpreso com a pergunta. Toda a plateia olhou-me, curiosa …um imenso óóóóhhhhh!!! Soou e reverberou no recinto…. eu permaneci de pé e ouvi atentamente Luis Carlos Prestes relembrar, o episódio com sua paciente didática para comigo e os demais.

“Como você sabe disto rapaz?”, perguntou-me, Prestes. Respondi-lhe, “dos livros do Jorge Amado, “O Cavaleiro da Esperança” (1945) e o “Tenentismo de Nelson Werneck Sodré” (1958), e outros historiadores. Livros que comprei aqui em Curitiba na Livraria Ghignone”.
Excelente livraria. Excelente livreiro. Ao meu lado, alguém me disse quase ao ouvido.

Prestes então explicou detalhadamente o episódio em que mesmo vítima de uma baioneta, o vigia da tropa disparou o seu fuzil mauser 18, alertando a Coluna que conseguiu escapar dos Federalistas, pelo desfiladeiro e ravinas de Caçapava.

“Esse rapaz é mais um herói brasileiro que salvou nossas vidas! Sou comunista! E acredito em Deus. Em muitas noites me lembro disto e rezo grato por ele!”, bradou Prestes.

A plateia atônita e jubilosa aplaudiu. As explanações de Prestes e as intervenções dos estudantes presentes seguiram-se, no rito acadêmico. Eu estava, satisfeito e levemente entorpecido pela adrenalina.

O doce perfume feminino ficou mais forte. Alguém tocou meu braço direito e perguntou meu nome. Eu lhe respondi.

Era ela, cabelos castanhos escuros. Pele morena clara. Rosto e tez aveludados. Vestida em jeans azuis e blusa quadriculada. Sua voz maviosa e sensual pediu meu telefone.

O informei. Com tênis nos pés. Parecia uma dançarina leve e firme. Atlética.

Uauuu que incrível. Legal. Uma mulher pedir meu telefone. Rodopiaríamos em uma dança jovem e febril. Intensa.

Terá sido inebriante como os Bons Vinhos e o Tango Argentino de Piazzola.

Tempos depois em algum lugar da Rua Chile, no Rebouças levei balaços de Pinochet.

Cambaleie e sobrevivi. Restaram-nos canções de Vitor Jara. Jairo Canta Borges. Mercedes Soza….

O Cavaleiro da Esperança partiu e nunca mais voltou.

Muitos acadêmicos de Direito se tornaram, grandes jurisprudentes. Famosos advogados. Desembargadores.

O Cavaleiro da Esperança partiu e nunca mais voltou. Foi esquecido.

Nas minhas memórias, os latidos de alguns cachorros de estimação, que muito cheiraram -me e assim éramos, caninos felizes.

Au. Au. Au.

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