Lá vem o trem. Lá vem o trem! Aos berros , o encarregado dos serviços da RVPRSC chama a atenção de todos na plataforma da estação ferroviária.
Quepe e uniforme azulados, inspiram respeito da população presente.
Ele ajeita o quepe e a gravatinha. Olha galantemente para o público feminino. Sorri.
Apinhada de gente, a plataforma está ainda mais quente sob o sol do meio dia.
Com suas esposas e familiares o prefeito, vereadores, delegado de Polícia, o Juiz de Direito, cartorários e serventuários da Justiça acotovelam-se pelo melhor lugar.
Abrem caminho para o Monsenhor Pároco da Matriz. Este aproxima-se, paramentado e ladeado por seus dois coroinhas. Dezenas de jovens estudantes das escolas primárias e secundárias ali estão perfilados e agitando bandeirinhas de papel em suas mãos.
Todos os presentes com os rostos brilhantes e suarentos. Sob intenso calor.
A locomotiva parou. Os viajantes emergem dos vagões. Espoucam rojões e foguetórios.
O governador do Estado chegou a cidade!
Sua comitiva perfila-se para os cumprimentos de praxe. A famosa banda inicia a execução do Hino Estadual. Apupos e júbilos dos recepcionistas oficiais.
O som alegre da banda chega ao final.
Entrecortado por vaias e gritos de protestos vindo dos trabalhadores do Porto.
Ali do lado oposto da plataforma da estação.
Exibem seus cartazes e faixas de protestos.
Organizados pelo Sindicato dos Portuários de Antonina e Paranaguá, filiado ao Partido Comunista Brasileiro.
Pedem melhores salários para os trabalhadores da Matarazzo e demais categorias. Ameaçam a não desembarcar o trigo argentino dos navios.
Logo uma guarnição da Polícia Militar os dispersará com alguns feridos a cassetadas.
Os portuários não reagem e se retirarão doloridos e lamuriosos.
E a comitiva do governador estará a salvo dentro dos carros oficiais da Prefeitura e alguns carros de praça. O governador e a comitiva seguem para o hotel.
Precisa fazer sua higiene pessoal. Esticar as pernas após um banho refrescante.
Em meia hora virão lhe buscar para o almoço no clube mais importante da cidade. Sua agenda do dia seguinte lhe impõe o pernoite em Antonina.
Discursos, réplicas e tréplicas lhe aguardam. O governador seria o ilustre forasteiro nesta cidade histórica do litoral paranaense.
Na cidade, uma brisa leve se transforma em vento mais intenso. Talvez chova a tarde.
As crianças já dispensadas das solenidades cívicas. Trocam seus uniformes e, após rápida refeição familiar, vão brincar na praça principal.
Ali, na declividade próxima a Igreja Matriz, erguem-se frondosas árvores.
Jardins e curvas em pedras oferecem rosas, jasmins e outras belas flores e cores ao entorno.
Com o vento soprando as crianças lembram-se de buscar em suas casas suas pipas, pandorgas, ou papagaios…feitos de papel e cola.
Envergados nos filetes de bambus.
Amarrados com linhas de corte e costura, as chamadas 24, as mais fortes enroladas em carreteis de madeira. São distanciadas e soltas dos carretéis e com o empuxo do vento e as hábeis mãos das crianças, as pipas vão subindo. Empinadas. Ganhando altura.
Para esses corações que saltitam, pulam e gritam de alegria primaveril.
Ali está o menino Sylvio Back e seu amigo. Livres e saudáveis nesta Praça de Antonina. Crianças paranaenses no pós-guerra. Final dos anos 40. Empinando pipas.
Defronte ao edificio art noveau na esquina da praça. Minha humilde ficção em traços e aquarela.
Ao longo das décadas Sylvio Back deixará fisicamente Antonina.
Percorrerá o Brasil. O mundo. Com suas artes.
O requintado hotel de seus familiares não será preservado e ou tombado pelo Patrimônio Histórico Paranaense.
O IPHAN estará também alheio. Porém a memória de Antonina permanecerá.
Em sua monumental obra. Composta por literatura. Poesia. E documental.
Sua obra cinematográfica que manterá em alta qualidade e primor ao longo de décadas.
Todos nós paranaenses algo especial devemos ao Sylvio Back. Hoje com 87 anos.
Bem humorado, já a nos convidar para seu centésimo aniversário. Talvez a ser comemorado no “Caçarola do Joca”.
Um menino talentoso, nascido em Blumenau (SC), mas também de Antonina e de Curitiba. Jóia rara do Paraná e de Santa Catarina!
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