Fiz o teste e comecei a trabalhar, com a base do time de garotos.
Morava em Ramos. Todos os dias pegava ônibus e ou lotação até a General Severiano.
Eu acordava cedo e ia logo para o vestiário.
Auxiliar de Serviços Gerais. Era a anotação de minha Carteira de Trabalho.
Em algumas noites, ia ver o programa de Paulo Gracindo na Rádio Nacional.
Outras vezes, no bonde íamos a Santa Teresa. Curtir algumas noitadas com muitas batidinhas de limão e cervejas. Na zona Sul tinha uma tal de Bossa Nova começando.
Várias vezes esta vida boêmia me fez chegar tarde ao trabalho.
Mas certo dia, no vestiário, apareceu o Mané. Vindo de Pau Grande. Pernas tortas. Atleta espetacular. Logo subiu para o profissional. Um fenômeno. Desde o vestiário eu, auxiliar de limpeza, nos tornamos amigos. Mané, um grande coração. Sempre humilde.
Até o dia que eu lhe pedi pra me ajudar a convencer o treinador. Eu precisava de uma vaga como auxiliar de massagista. Afinal eu correspondia na limpeza dos vestiários. Assim foi. Alguém se machucou e eu entrei em campo em pleno Maracanã.
Auxiliar do Mario Américo. Glória total. Dia mais feliz da minha vida. Ganhamos do Vasco de 2×1. Depois salvamos um entorse no joelho direito do Mané .
Que ficou feliz comigo. Seo Mario havia me ensinado como massagear bem.
No vestiário e na fisioterapia eu acompanhava o Mané. Fiquei exclusivo dele.
Massagista e roupeiro. Profissionalismo e amizade.
Mané vinha ao vestiário nos abraçar e comemorar a cada vitória. Alegria do povo.
Certa noite saímos, no Simca Chambord dele. Fomos às boates do Beco das Garrafas. Cada um de nós com duas mulheres a tiracolo.
Não deu outra. Acordei com ressaca em um motel na Barra da Tijuca.
Nem sei como fui parar lá. Uma das minhas garotas sumiu.
Despertei ao lado de Jupira.
Mulata mineira vinda de Juiz de Fora que já era passista da Mangueira.
Mané já tinha saído do motel com sua gringa. Uma turista americana.
Eu e Jupira chamamos um táxi. Ela foi pra minha casa. Na verdade, apartamentinho na Tijuca.
Nos próximos anos não nos largaríamos. Gamei na Jupira, suas curvas e sua doçura.
Meu salário profissional, misto de roupeiro e massagista, era bom. O clube pagava em dia naquele tempo. E com Jupira eu era feliz.
Assim, durante todo período no Botafogo, fui massagista, roupeiro e as vezes secretário do grande Mané Garrincha.
Não o acompanhei nas Copas do Mundo. Mas com o “Fogão”, da estrela solitária eu estive sempre ao seu lado onde quer que viajássemos.
Um dia ele conheceu Elza Soares. Grande cantora e mulher.
Semanas depois, convidaram-nos, Jupira e eu, para jantar. Que honra. Eram muito educados. Um lindo casal.
Um dia triste foi quando Mané me disse que por causa de política teriam que se exilar.
A Ditadura Militar desconfiava de Elza e Mané. Por causa disto ele nem foi convidado para a Seleção Brasileira de Futebol de 1970. Mané começava a beber de tristeza. Viveriam um período em Roma.
Senti no Rio que o “ bicho iria pegar”. Amigo e roupeiro, às vezes secretário do Mané.
Intui que algum “milico ou puliça” poderia invocar comigo. Foi então que Jupira e eu pegamos nossas coisinhas e nos mandamos de ônibus para Curitiba.
Antes eu rapei minha conta no banco lá no Rio. E junto com nossas malas pessoais eu trouxe a minha maleta de roupeiro do Botafogo Futebol Clube.
Com as chuteiras, calção, camiseta, camisas e todo o manto sagrado do Mané Garrincha.
Em Curitiba um frio danado. Perguntei ao taxista onde recomendaria nos hospedarmos? Para quem tinha pouco dinheiro. Nos trouxe ao Pensionato do Seo Portuga. Rua Paula Gomes, aqui no São Francisco.
Acabou a grana em poucos meses. Eu não me acostumava com o frio de Curitiba.
E a Jupira sofria com saudades do Samba. Me largou. Fugiu com o Portuga dono da Pensão. Tremendo FDP! Soube depois que montaram uma Padaria no Leme.
Nunca mais soube dela. Fiquei muito triste. Tristinho de dar dó como diria minha finada mãe. Comecei a beber de desgosto. Ser corno não é fácil!
Para esquentar também do frio bebi muito. Bêbado cai, várias vezes, nas calçadas curitibanas. Dormi na rua.
Tentei trabalho nos times de futebol de Curitiba. Não consegui. Trabalhei como porteiro em três edifícios. Viciado na pinga fui despedido várias vezes por onde passei.
Até que um dia me levaram nos Alcoólicos Anônimos e fui me recuperando aos poucos.
Nesses anos todos fui me adaptando a Curitiba. Virei torcedor do Athletico. Sem esquecer o Botafogo. Jamais!
Moro solitário aqui em Curitiba, no Bairro São Francisco. Fiz vários cursos de treinamento no SESI. Ganhei um bom dinheiro como carpinteiro e depois encanador.
E atualmente tenho uma lojinha de conserto de Bicicletas. Voltei ao Rio algumas vezes para rever parentes e amigos. Jupira nunca mais.
Em Curitiba, todos os domingos, quando não chove, vou até o cruzamento das ruas Duque de Caxias com a Paula Gomes.
Bem cedinho. Antes do bar abrir. Coloco minha preciosa maleta de roupeiro do Botafogo, no chão.
Retiro o manto sagrado de Mané Garrincha e, ajoelhado, agradeço a Deus por me ter permitido, conviver e ver jogar nosso Mané Garrincha!
O Nosso Torto Magistral dos Gramados.
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