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Por que há tantos diagnósticos de TDAH nos últimos tempos?

02/02/2023
tdh

Falar sobre esse assunto não é simples e demanda muita pesquisa, por isso, para uma pessoa leiga, pode se tornar entediante. Logo, este é um texto sucinto com o objetivo de gerar uma reflexão acerca do assunto. Já parou para contar quantas pessoas você conhece com o diagnóstico de TDAH? Para receber esse diagnóstico, a maioria delas procurou um profissional da área de saúde, que foi guiado pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), da American Psychiatric Association. Este, é uma classificação de transtornos mentais e critérios associados, elaborada para facilitar o estabelecimento de diagnósticos mais confiáveis desses transtornos. Com sucessivas edições ao longo dos últimos 60 anos, tornou-se uma referência para a prática clínica na área da saúde mental. O DSM se propõe a servir como um guia prático, funcional e flexível para organizar informações que podem auxiliar o diagnóstico preciso e o tratamento de transtornos mentais.

Se um profissional com acesso ao DSM procurar as características diagnósticas do TDAH, encontrará como padrão essencial uma persistente desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento do indivíduo. A desatenção manifesta-se comportamentalmente no TDAH como divagação em tarefas, falta de persistência, dificuldade de manter o foco e desorganização. A hiperatividade refere-se a atividade motora excessiva (como uma criança que corre por tudo) quando não apropriado ou remexer, batucar ou conversar em excesso. Nos adultos, a hiperatividade pode se manifestar como inquietude extrema ou esgotamento dos outros com sua atividade. A impulsividade refere-se a ações precipitadas que ocorrem no momento sem premeditação e com elevado potencial para dano à pessoa (p. ex., atravessar uma rua sem olhar). A impulsividade pode ser reflexo de um desejo de recompensas imediatas ou de incapacidade de postergar a gratificação. Comportamentos impulsivos podem se manifestar com intromissão social (p. ex., interromper os outros em excesso) e/ou tomada de decisões importantes sem considerações acerca das consequências no longo prazo (p. ex., assumir um emprego sem informações adequadas).

O TDAH começa na infância. A exigência de que vários sintomas estejam presentes antes dos 12 anos de idade exprime a importância de uma apresentação clínica substancial durante esse período. Manifestações do transtorno devem estar presentes em mais de um ambiente (p. ex., em casa e na escola, no trabalho). A confirmação de sintomas substanciais em vários ambientes não costuma ser feita com precisão sem uma consulta a informantes que tenham visto o indivíduo em tais ambientes. É comum os sintomas variarem conforme o contexto em determinado local. Sinais do transtorno podem ser mínimos ou ausentes quando o indivíduo está recebendo recompensas frequentes por comportamento apropriado, está sob supervisão, está em uma situação nova, está envolvido em atividades especialmente interessantes, recebe estímulos externos consistentes (p. ex., através de telas eletrônicas) ou está interagindo em situações individualizadas (p. ex., em um consultório).

Nas últimas três décadas, o mundo ocidental tem assistido à transformação de um sintoma – a hiperatividade e suas consequências na concentração e na capacidade de perseverar – numa pretensa síndrome e até mesmo numa doença. De um lado, buscam-se seus fatores desencadeantes e contextos de aparecimento, que até o momento, basicamente, apenas se confundem com o que seriam as suas causas; de outro, sua evolução se acompanha de um impressionante aumento da prescrição de medicamentos, cujos efeitos no longo prazo ainda são em grande parte desconhecidos.

Sendo assim, a reflexão proposta sobre o número excessivo de diagnósticos, é que os sintomas definidores do transtorno não são únicos, uma vez que estes traços são comuns da natureza humana. Hábitos do sono, outras patologias, elementos externos como fatores psicossociais, situação familiar caótica, sistema de ensino inadequado, são por exemplo, fatores extremamente relevantes que devem ser investigados antes. O que os tornam patológicos seriam mudanças temporais e de intensidade. Porém, os critérios do DSM são passíveis de interpretações subjetivas, variáveis pessoais e culturais. Percebe-se então, a necessidade de um protocolo mais criterioso e multiprofissional, antes de optar pela medicalização, tão comum e banalizada atualmente. É fundamental que outros fatores sejam analisados e procedimentos terapêuticos sejam incluídos para que o indivíduo compreenda a causa e não trate apenas o sintoma, transformando toda e qualquer desatenção em um diagnóstico específico.


Referências:

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. American Psychiatric Association. Porto Alegre, Artmed, 2014

Landman, Patrick. Todos hiperativos? A inacreditável epidemia dos transtornos de atenção. Coedição Corpo Freudiano Seção Rio de Janeiro. Coleção Janus, n. 20, 2019, 1ª edição.

Larroca, Lilian Martins e Domingos, Neide Micelli. TDAH – Investigação dos critérios para diagnóstico do subtipo predominantemente desatento. Psicologia Escolar e Educacional [online]. 2012, v. 16, n. 1. Disponível aqui. Acesso em 31 jan 2023.


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