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125 anos do cinema brasileiro: ‘O Bandido da Luz Vermelha’ e o Cinema Marginal

07/07/2023

Esses dias, em 19 de julho, comemoramos os 125 anos do cinema brasileiro. O marco relembra a primeira vez que foram registradas imagens em movimento no país – uma filmagem da Baía da Guanabara feita pelo italiano Afonso Segreto em 1898. E nada melhor para celebrar a data do que dedicar a coluna desta semana ao clássico nacional de Rogério Sganzerla, O Bandido da Luz Vermelha (1968, disponível no youtube). O filme faz parte do movimento cinematográfico brasileiro dos anos 60 e 70, Cinema Marginal. A ideia era fazer um retrato do Brasil que fosse autoral, sem muita sofisticação e nem medo de experimentar na tela. É assim que O Bandido consegue ser um filme de ação policial cheio de sátiras, ótimas atuações e denúncia social. Ah, e não precisa ficar com receio de ser uma daquelas chatices em preto e branco em que todo mundo fala como se estivesse em uma novela de época das 7, prometo.

 

O longa é levemente inspirado no caso real do assaltante João Acácio Pereira da Costa (1942 – 98), apelidado pelos jornais de “Bandido da Luz Vermelha”, que assim como Sganzerla, era catarinense, e diferente de Sganzerla, foi responsável por assaltos a mansões e uma série de assassinatos em São Paulo na década de 1960. Na trama, Jorge (Paulo Villaça) é um criminoso anônimo que entre assaltos e fugas começa a chamar a atenção da imprensa e da polícia – em especial do caricato delegado Cabeção (Luiz Linhares). O filme usa como cenário a Boca do Lixo paulistana – não podemos esquecer que temos uma para chamar de nossa em Curitiba – e apresenta figuras como a prostituta Janete Jane (Helena Ignez) e o político corrupto J. B. da Silva (Pagano Sobrinho).

Quem estiver de sapato não sobra. Na obra que Sganzerla chama de faroeste do Terceiro Mundo, a ideia é se conectar com a audiência. Chega dos subtextos do Cinema Novo de Glauber Rocha. Em O Bandido, o diretor de 22 anos faz sua estreia nas telonas olhando nos olhos do espectador. A jornada do ladrão é contada por locutores de rádio do tipo mais sensacionalista, um letreiro aparece na tela com frases de efeito e o próprio Jorginho narra sua história com um tom pessimista de quem já sabe como a perseguição policial vai acabar. As personagens não tem muita profundidade ou desenvolvimento ao longo da produção – do secretário do governo fazendo uma campanha populista de limpeza do centro da cidade até a prostituta traiçoeira, o diretor entrega a representação de um país latino-americano subdesenvolvido e sem perspectiva de solucionar seus problemas como a criminalidade e a miséria.

 

As atuações são um ponto alto. Luiz e Janete dirigem um conversível na baixada santista e formam uma dinâmica de casal de cinema melhor que Bonnie e Clyde (1967). Helena Ignez em cena é uma experiência por si só. A atriz também aparece nos outros longas do diretor – e esposo – A Mulher de Todos (1969) e Copacabana Mon Amour (1970), pelo qual sou pessoalmente apaixonada. Já os discursos cheios de performance barata da campanha política de J. B. da Silva, que se for eleito, promete instituir a casa do pai solteiro e o Natal da criança malcriada, são entregues com maestria por Sobrinho. É ele, inclusive, o responsável por um dos melhores diálogos do filme:

 

– O que o senhor acha da miséria?
– Que miséria, meu filho? Um país sem miséria é um país sem folclore. E em um país sem folclore, o que nós podemos mostrar para o turista?

 

E olha que a concorrência é grande. Sganzerla conseguiu construir esse marco do underground brasileiro com diálogos rápidos, precisos e carregados de exageros e ironia: “É um lixo sem limites, senhoras e senhores!”, grita o locutor de rádio. O filme acerta em usar as falas das personagens para expressar elementos próprios da sociedade paulistana nos primeiros anos de Ditadura Militar, como o a violência urbana, o moralismo popular e os delírios consumistas da classe média. Como o próprio diretor defende, esse título do Cinema Marginal é uma mistura de gêneros: tem graça, tem ritmo, tem linguagem própria. Fácil de entender e fácil de gostar. Esse é O Bandido da Luz Vermelha.

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