Nem todo mundo curte um jantar no restaurante famoso lotado ou o presente caro comprado às pressas. Romântico mesmo é se casar na beira da estrada cortando as palmas das mãos para fechar um pacto de sangue. É assim que Natural Born Killers (1994, disponível na HBO Max e Star+), mostra que existem programas de casal bem mais assustadores do que ser apresentado para a família do namorado. É por isso que o escolhido da vez para a coluna é esse clássico cult que conta a história dos assassinos em série mais apaixonados do cinema, Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) Knox. Perfeito para combinar com o clima que ficou do Dia dos Namorados, comemorado na última segunda-feira (12).
Entre as mortes sangrentas, o movimento de câmera frenético e os diálogos melosos, Assassinos por Natureza (título em português) acompanha a viagem curta e alucinante de Mickey e Mallory pelo meio-oeste dos Estados Unidos. São 52 assassinatos nos postos de gasolina, lojas de conveniência e farmácias pelo caminho, sempre deixando alguém para trás para contar a história. Boa jogada de marketing. Por onde passam, os criminosos imprimem seu rastro de violência, na maior depravação do american dream. Quem fica responsável pela investigação policial no longa é o detetive Jack Scagnetti (Tom Sizemore), outro personagem maníaco para a lista.
Os assassinos logo são desmascarados e presos, e é aí que as coisas começam a esquentar. O caso chama a atenção da mídia e o casal passa a ser adorado pelo público jovem. Então o caricato repórter sensacionalista Wayne Gale, interpretado com maestria por Robert Downey Jr., entra em cena. O jornalista entrevista Mickey, o novo ícone da cultura pop, para seu programa de TV sobre crimes reais. O filme mostra como a glamourização da violência é um caminho fácil até a audiência que a imprensa está disposta a trilhar. Separados na prisão – e morrendo de saudades um do outro –, Mickey e Mallory iniciam uma rebelião entre os presidiários para escapar juntos. É isso. (mesmo o filme se aproximando dos 30 anos, não vou contar o final em respeito a você, caro leitor).
Quem assina o longa é o cineasta Oliver Stone, de Platoon (1986) e Nascido em 4 de Julho (1989). Quentin Tarantino, que obviamente não iria se aguentar em ficar fora de um filme louco desses, é o produtor original do roteiro, mas se recusou a ver o filme quando foi lançado – a trama acabou bem diferente do imaginado por Tarantino quando chegou às mãos de Stone. Mas independente de qualquer coisa, o diretor mandou bem. É um filme com personalidade – o drama exagerado e o humor sádico encharcados de sangue dão um toque especial. O elenco competente também ajudou. A dinâmica intensa e conturbada dos protagonistas transborda da tela. Isso fica claro desde uma das primeiras cenas – que inclusive, é gravada em forma de sitcom – onde Mickey e Mallory, que é estuprada por seu pai desde a infância, se conhecem e decidem matar os pais da garota e fugir. Combinação explosiva ao som de rock n’ roll. Nine Inch Nails, Patti Smith, Rage Against the Machine, L7 e Leonard Cohen aparecem na trilha sonora.
Natural Born Killers é uma vitrine da experimentação maluca que rolou no cinema nos anos 1990. O filme alterna o tempo todo entre cenas em preto e branco, filtros coloridos, e em animação. As perspectivas de narração também variam – o foco muda de Mick e Mallory para o espetáculo midiático que cerca os dois. O filme vale a pena pelo enredo, mas a graça está mesmo é nos detalhes, na mixagem de som, nos takes aleatórios, nos cenários psicodélicos. E claro, Hollywood não resiste a um bom romance. Tanto aquele entre os protagonistas, quanto a romantização absurda dos serial killers tão própria da terra de Charles Manson. Não à toa, o lançamento do filme gerou polêmicas e foi acusado de incentivar assassinatos nos EUA. Loucura. Assassinos por Natureza é uma comédia romântica do avesso.
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