Ah, o Natal. Calçadão da XV cheio, gastar o 13º comprando presentes para pessoas que você nem gosta tanto assim e quando tudo finalmente acabar, sentar na sala para ver um filminho comendo uma mistura nuclear de tudo que sobrou da ceia. Uma das melhores épocas do ano, não dá nem para competir. Mas como nem toda tradição deve ser mantida, a colunista aqui se recusa a falar de O Estranho Mundo de Jack e O Grinch. Sorte que Stanley Kubrick deixou um filme perfeito para a ocasião – De Olhos Bem Fechados (1999, disponível na HBO Max). Sociedade secreta, compras de natal e crise no casamento. Até aqui, um fim de ano normal.
Confesso que a história é difícil de resumir, mas vou tentar: na Nova York fria de dezembro, o médico Bill Harford (Tom Cruise, porque nem tudo é perfeito) e a curadora de arte Alice (Nicole Kidman) vivem um casamento tranquilo, até que, após uma festa em ambos flertaram com outras pessoas, algumas inseguranças começam a surgir. Quando Alice conta que já havia sentido atração por outro homem, Bill fica ressentido e decide virar uma noite badalada na cidade. Durante o rolê, o médico se encontra com uma amiga que tenta beijá-lo, quase se envolve com uma prostituta e vai até um bar para ver um velho amigo, que lhe dá uma senha e endereço para entrar em uma festa de uma sociedade secreta. A partir daí, é o que se espera de um filme do Kubrick.
De primeira, eu estranhei bastante. De Olhos Bem Fechadostem um clima super imersivo, um daqueles suspenses que passam de raspão pelo terror. A iluminação sempre baixa e uma trilha sonora escolhida a dedo dão o plano de fundo técnico perfeito para a coisa toda se desenrolar. Uma das primeiras cenas, na festa onde o casal passa a noite apreciando as companhias alheias, os takes parecem ter sido tirados de um romance clássico dos anos 60, com diálogos meio surrealistas ao ritmo do baile.
As interações entre os personagens continuam estranhas durante todo o longa, criando um clima viajado, apesar da trama ter seus seus momentos bem pé no chão. Não vou nem comentar sobre as cenas da loja de fantasias, vá lá e veja você mesmo. É só uma pena o fato de Alice ir perdendo a importância ao longo do filme, desperdiçando a ótima atuação de Nicole Kidman, que passa a ser apenas um suporte para os delírios de Bill, personagem que perde muito por depender da atuação de cara congelada de Tom Cruise. Mas tudo bem, eram os anos 90.
Inspirado no livro de Arthur Schnitzler, Traumnovelle, que se passa na Viena da década de 1920, a adaptação para os tempos modernos rolou super bem. Pensei que ia ser um daqueles filmes que você só vê por causa do diretor, ainda mais uma produção sobre um casal chegando à crise da meia idade. Mas claro que Kubrick não ia me deixar na mão. A solução para uma história chata? Uma seita de orgias entre milionários e ameaças de morte. Nunca mais desconfio do cineasta. E pode me acusar de trapaça, caro leitor, porque o filme não é beeem sobre Natal. Mas de qualquer forma, é época de perdoar.
É isso. Ano que vem volto com o melhor (e às vezes o pior) do cinema por aqui. Tchau!
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