Entre 2005 e 2025, o Programa Universidade para Todos (ProUni), seguramente o programa social de Estado mais bem sucedido na área educacional, abriu as portas do Ensino Superior privado para 3,4 milhões de jovens, trazendo forte impacto social e de diversidade étnica, pois 55% dos beneficiados são afrodescendentes. Para o primeiro semestre de 2025, 1.862 Instituições de Ensino Superior (IES) particulares estão oferecendo 338 mil bolsas de estudo, o que corresponde a uma proporção média de cerca de 1:10 para todo o território brasileiro, ou seja, para cada 10 pagantes, 1 não paga ou paga metade da mensalidade na graduação instituição privada.
Além dos requisitos econômicos, uma vez que o programa é destinado à população de baixa renda, a meritocracia é também devidamente contemplada, pois o candidato deve alcançar um mínimo de 450 pontos no Enem, numa escala que vai até 1.000, e notas mais altas significam mais chances de se obter uma bolsa no curso almejado. A bolsa concedida, por sua vez, é paga por meio de renúncia fiscal do governo, referindo-se à isenção dada à IES privada em relação a quatro tributos federais (IRPJ, CSLL e PIS e Cofins), considerada absolutamente razoável em relação aos benefícios.
O resultado é uma parceria público-privada de ganha-ganha: de um lado, cumpre-se um relevante papel social e, de outro, as IES privadas preencham vagas ociosas, embora o programa também abarque todos os cursos da instituição, inclusive o de Medicina, no qual não há vaga sobrando. Para o governo federal, cada universitário do ProUni representa apenas cerca de 20% do custo de um aluno nas universidades públicas, conforme depoimento de um reitor de uma universidade privada. Sendo isso verdadeiro, para o governo federal, o custo de um estudante em uma universidade pública corresponde ao custo de cinco alunos em uma universidade privada, em decorrência da renúncia fiscal do governo.
Poucos sabem, mas o ProUni teve seu berçário no Paraná. Lembro bem da tarde de 2004, em uma reunião com diretores de escolas privadas, na qual recebemos o deputado federal Irineu Colombo (PT-PR), quando – com o zelo de quem busca uma joia – retirou da sua pasta duas folhas de papel com o texto que seria o embrião do ProUni. Nos anos que antecederam o programa, forte era a pressão da sociedade por mais vagas no Ensino Superior diante da realidade de que as universidades públicas não dariam conta do enorme contingente de concluintes do Ensino Médio, enquanto – de acordo com o Inep – havia mais de meio milhão de vagas ociosas nas instituições particulares de Ensino Superior. Uma realidade propícia e que clamava por um desafogo nesse afunilamento, e destarte a proposta foi apresentada em maio de 2004 ao então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que anuiu que ela fosse encaminhada à Câmara dos Deputados.
Julgo que o Sinepe/PR (Sindicato das Escolas Privadas do Paraná), que congrega cerca de 2.100 instituições privadas, deu uma importante contribuição, interpondo sugestões, ofertando assistência jurídica ao texto preliminar e intermediando a adesão de outros deputados e autoridades. Depois de muitas negociações com os ministros da Educação e da Fazenda, o projeto de lei foi sancionado, ainda no primeiro mantado do Presidente Lula (Lei 11.096/2005). O então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, defendeu o investimento indireto como sendo “um custo bem mais barato do que se fôssemos criar vagas novas em uma Universidade Federal”.
Na época, uma das nossas reivindicações, alijada do texto final, propunha que o aluno egresso de uma escola privada também fosse contemplado, desde que atendidas as mesmas exigências de renda daquele estudante oriundo de uma instituição pública. Esse pleito foi, no entanto, atendido anos mais tarde, quando em 2022 o Presidente Bolsonaro sancionou a Lei 14.350/22. Assim, a partir do 2º semestre de 2022, todos os ingressantes em uma IES particular cadastrada ao programa, desde que alcançados os 450 pontos no Enem e não tendo zerado em redação, podem concorrer a uma bolsa integral se a renda familiar per capita for de até 1,5 salário-mínimo (SM); e meia bolsa para os discentes com renda familiar per capita entre 1,5 SM e 3 SM. “A inclusão dos egressos do Ensino Médio privado é meritória, na medida em que não se muda o critério socioeconômico de renda e pouco afeta o potencial quantitativo a mais de vagas que podem ser preenchidas”, justificou na época o relator da Medida Provisória, deputado Átila Lira (PP-PI).
Investir em educação é uma das principais prioridades de uma nação, como bem corrobora pesquisa global, na qual 79% dos pais brasileiros consideram um ensino de qualidade como o melhor investimento que podem propiciar aos filhos. Trata-se do maior percentual entre todos os 15 países pesquisados, entre eles Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Canadá, França, México. Sim, de fato, o estudo é o melhor investimento para dar tração a uma ascensão social, pois só se perde com a demência ou com a morte.
E relevante é lembrar de outra sugestão há muitos anos acalentada e que merece o debate entre sociedade civil, congressistas e governo: o ProBásico, um programa similar ao ProUni, com o mesmo tipo de renúncia fiscal e adotando-se o mesmo percentual do Ensino Superior, com o potencial de atender cerca de 10% dos 9,4 milhões de alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio, com especial ênfase para os cursos técnicos profissionalizantes. Se é uma experiência tão bem-sucedida no Ensino Superior, ratificada por duas décadas de ótimos resultados, por que não replicar o modelo também para a Educação Básica, que concentra grande parte das graves mazelas do ensino no Brasil?
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