De 1965 a 1975, hordas de jovens catarinenses desembarcavam na velha rodoviária do Guadalupe, em busca da excelência das faculdades de Curitiba e das boas oportunidades de emprego. Florianópolis — a cidade dos manés e barnabés — nada oferecia nesses quesitos. Dizia-se, na época, que 30% da população curitibana era constituída de barrigas–verdes, que aqui chegavam com pouca bagagem, mas muita vontade de se arranjar na vida.
Cabe ressaltar a mais suprema ousadia: namorar uma de suas belas polacas. Poucos foram os contemplados, pois – no jargão dos forasteiros – Curitiba era tida como uma cidade puritana e provinciana. Vigiadíssimas pelos pais, eram louras, casadouras, seios fartos e naturais, pernas bem torneadas. Fogo contido e a cada avanço sabiam fingir brabeza. Sim, concordo, atributos em parte fruto do nosso imaginário.
Havia um ritual de passagem para chegar até elas:
1.°) estar cursando a faculdade de Medicina, Engenharia ou Direito;
2.°) ter uma atividade remunerada;
3.°) preferencialmente, ter origem europeia.
Cumpridos esses requisitos, as famílias estendiam tapetes vermelhos e até convidavam para o almoço de domingo, no Cascatinha ou no Madalosso. Um feito e tanto para os reféns do “bandejão” da Casa do Estudante Universitário, onde nos cotizávamos com os amigos para pedir Crush ou leite com capilé.
Na época um catarina boa-pinta me contava que no sábado anterior fora jantar com a família da namorada na Palazzo, a primeira pizzaria de Curitiba, no Batel.
— Você está com tudo, cara – argumentei.
E ele se mostra desconsolado:
— Qual nada, como das vezes anteriores, só tenho uma certeza: volto para casa sozinho e a pé, pois o último ônibus sai às 22 horas.
Os arranca-rabos entre curitibocas e catarinas — como pejorativamente se altercavam — foram recorrentes. Por que barriga–verde? Cada lado, com sua versão, ambas bastante chulas ou nada republicanas.
A etimologia tupi-guarani curi-tiba (muito pinhão) sofria por parte dos catarinas uma prosaica corruptela: cu-ritiba, onde “ritiba” significava “do mundo”. Pândegas à parte, amavam-se mutuamente. Curitiba, Cidade Sorriso? Só se for sorriso amarelo! Um raro sorriso de curitibano cura até câncer! Ou, curitibano é igual a vinho tinto: seco e reservado. Evidentemente, o revide não tardou, com a construção da passarela da Vila Hauer, na Marechal Floriano, na época a via preferida de entrada dos catarinenses. A passarela em arco recebe dos nativos daqui a espirituosa alcunha de “quebra-chifre de catarina”.
Certa feita, já estudante de Engenharia, tive ímpetos selvagens ao ler o que alguém escreveu na porta de um banheiro do Centro Politécnico: “Preserve Curitiba, devolva um catarina”. O meu consolo é que aquele escriba pernóstico deve estar passando férias nas praias da bela e Santa Catarina.
E se no meu peito bate um coração que ama, este coração jamais haverá de negar amor à terra que me viu nascer e bem como à terra que me deu grandes alegrias e oportunidades. Se Agronômica (SC) me serviu de berço, com certeza Curitiba me servirá de túmulo.
Duas forças se antagonizam dentro de mim. Comemoro os 330 anos de uma Curitiba transformada e progressista. Em contrapartida, por vezes, nostalgicamente faço coro com Dalton Trevisan: “Que fim, ó cara, você deu à minha cidade”. Talvez, não pela Curitiba de antigamente, mas pela Curitiba dos bons anos da juventude.
Jacir J. Venturi é Catarina e Cidadão Honorário de Curitiba.
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3 Comentários
Sou carioca, e moro em Curitiba, há dois anos e meio. Adorei essa crônica e parabenizo o autor. Pude vislumbrar , em meu imaginário, essa situação hilária de tempos outrora. 👏👏👏
Olá Amigo Prof. Jair Venturi!
Li seu artigo Catarina versus Curitibano! Fez-me recordar o mesmo caminho que fiz em 1959 para o Semiaberto Seráfico Santa Maria na cidade de Irati! Concluído o antigo ginásio e ensino médio em 1965 permaneci em Curitiba, cidade que adotei definitivamente! Deixei a terra natal de Rio dos Cedros SC para , conforme você diz, Curitiba ser a eterna morada!
Sempre me perguntavam de que família você é? Curiosidade do curitibano! Não era fácil angariar a amizade e a confiança das famílias curitibanas. Só o tempo resolvia esse relacionamento! Enfim vencemos. Aqui constitui minha família, filhos e netos!
Como diziam os latinos:”Ubi bene, ibi Patria!” (Onde vives bem, aí será tua Pátria!) um forte abraço fraterno!
Oi, amigo Jacir, dei boas risadas, relembrando os velhos tempos. Como sua contemporânea, lembrei com saudade daquele tempo feliz. Como estava do lado oposto, ainda ouço na memória os conselhos das velhas tias: cuidado! Esses Catarinas são “aproveitadores” e os muitos beliscões nas tardes de domingo nos bailinhos da Engenharia, rsrsrs. Parabéns pelo texto bem-humorado