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JACIR-CABECA-COLUNA

Ensino Médio de 2025: apesar dos desafios, muito otimismo

21/11/2024

Para 2025, prevê-se para o Ensino Médio um cenário de muitos desafios, acertos e desacertos, ainda que meu posicionamento, aqui explicitado, evidentemente não seja consensual, até porque há poucos consensos em Educação. É imperativo que as autoridades educacionais do país promovam normas complementares à lei sancionada no final de julho deste ano, que favoreçam uma boa viabilidade prática, em busca de uma evolução nos indicadores de nosso Ensino Médio público. Elevado é o esforço de uma boa parte dos educadores na busca de uma maior eficácia nesta etapa da Educação, pois, se ela fosse um aluno, teria reprovado no percurso de todos os anos de avaliação do Ideb, uma vez que nunca obteve nota superior a 5 (4,8 em 2023, numa escala que vai até 10). O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é o mais importante indicador da qualidade educacional da Educação Básica, implementado há 19 anos.

A responsabilidade pela oferta de Ensino Médio recai preponderantemente sobre os Estados e seus Sistemas de Ensino, que devem receber os necessários suportes técnico, financeiro e normativos do MEC, além de avaliações comparativas, pois, como William Deming ensina, “não se gerencia o que não se mede”. Julgo que temos, sim, consistentes sistemas de avaliação de nossa combalida educação, como o Ideb, o Enem, o Pisa, as Provas Estaduais (como a Prova Paraná) etc. Somos eficientes em bem avaliar, razoáveis em teorizar melhorias de qualidade na educação, porém medianos, quando não ruins, em implementar ações eficazes e medidas pragmáticas de gestão e didática, com poucas exceções.

O Ensino Médio iniciará 2025 já com as mudanças promovidas pela Lei Federal nº 14.945, sancionada em 31/07/2024, conquanto ainda haja muito trabalho a ser feito pelas Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação, bem como pelos gestores escolares, e os desafios para o início do ano letivo não são poucos. Nesse ínterim, desde final de julho até hoje, navegamos em noite escura, sem GPS e apenas uma carta náutica com incompletudes, destacando-se que as matrículas das escolas privadas tiveram início em setembro e das públicas, em novembro.

Há, no entanto, que se tecer encômios ao MEC e ao CNE (Conselho Nacional de Educação) pela presteza, racionalidade e concessões à flexibilização, pois a Resolução nº 2/2024, que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, foi homologada pelo ministro Camilo Santana, há poucos dias, em 13/11/24. Com essa normativa, em redação primorosa e bom encadeamento lógico, estabeleceu-se o farol de que necessitávamos para indicar uma direção. Porém, a partir desse documento legal, ainda decorrerão normas complementares do CNE a serem customizadas e aprovadas nos Conselhos Estaduais de Educação.

Há de se compreender, também, que até as pedras da Praça dos Três Poderes de Brasília sabem que uma mudança na legislação é árdua e morosa, ainda mais em se tratando de um tema complexo como o do Ensino Médio. E o bom senso prevaleceu quando a Resolução de nº 2/2024 permitiu que os sistemas de ensino (público ou privado) iniciem as mudanças em 2025 (preferencialmente) ou em 2026, podendo fazê-lo de maneira gradativa ou simultânea, atendendo os anseios de autoridades educacionais e dos gestores, com vistas a um melhor planejamento das matrizes escolares, regimento escolar, admissão ou realocação de professores. Para estes, como também para os diretores de escolas, é necessária uma capacitação eficaz, além do fato de vários prédios escolares precisarem de uma reconfiguração física, sem esquecer também a significativa reformulação do material didático.

Seguramente, em 2022, quando da implantação do primeiro ano do então Novo Ensino Médio (aprovado pela Lei Federal nº 13.415/17), houve falhas em diversas instituições de ensino, especialmente em relação aos itinerários formativos, que ficaram demasiado dispersos e, em alguns casos, extravagantes. Sabedores desses problemas, o MEC à época foi negligente, pois deveria delinear o caminho, definir melhor um regramento para conter e evitar essa desbragada abertura de excessivos componentes curriculares. Merecidamente, virou motivo de críticas ardorosas de educadores e de motejos da oposição.

Por outro lado, o mais inconteste mérito de ambas as leis foi a ampliação da carga horária do Ensino Médio para 3.000 h, ou seja, 25% a mais do que as 2.400 h do modelo anterior (o Antigo Ensino Médio), que reinou soberano por mais de três décadas, alvo de críticas severas da maioria dos educadores, cujo legado foram os baixos e permanentes resultados no Ideb e as altas taxas de evasão escolar, agravando desigualdades sociais e econômicas. Ademais, houve aprendizado insuficiente e péssimo desempenho em todos os comparativos internacionais.

Passaremos a ter uma carga horária da Formação Geral Básica (FGB) de 2.400 h (bom salto, pois a lei anterior determinava 1.800 h), a serem aplicadas em sala nos componentes curriculares obrigatórios e clássicos: Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química, Biologia, Filosofia, Sociologia, História, Geografia, Arte, Educação Física e Inglês. A FGB, portanto, é mandatória, independentemente do percurso a ser trilhado. As 600 h restantes serão dedicadas aos Itinerários Formativos de Aprofundamento (IFA), em que os estudantes podem optar por uma Formação Técnica e Profissional ou uma ênfase para o ingresso no Ensino Superior, priorizando-se os componentes curriculares de maior interesse para o curso de graduação escolhido em uma das quatro áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais. Os Itinerários Formativos de Aprofundamento (IFA) seguirão diretrizes a serem ainda elaboradas pelo CNE, e a unidade escolar que ofertar o Ensino Médio deve dispor de pelos menos dois IFA, que poderão ocorrer de maneira integrada. A FGB e os IFA (estes de livre escolha dos educandos) não podem se constituir em blocos distintos e segregados.

Se a opção for pela Formação Técnica e Profissional, deve-se considerar o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), que estabelece carga horária de 800, 1.000 ou 1.200 h. Devido à impossibilidade de ajustar essas cargas nas 600 h dos itinerários formativos, adotou-se o seguinte arranjo: a FGB será reduzida de 2.400 para 2.200 h para os cursos técnicos de 800 h; e reduzidas para 2.100 h para os cursos técnicos de 1.000 h ou 1.200 h. Mesmo assim, para acomodar os cursos de 1.000 ou 1.200 h, a nova lei admite que até 300 h da carga horária sejam destinadas ao aprofundamento de conteúdos relacionados diretamente ao curso escolhido pelo estudante. Em contraponto, cabe salientar que, pela nova lei, ficam autorizados convênios ou outras formas de parceria com instituições credenciadas de Educação Profissional, preferencialmente públicas (permitidas, portanto, parcerias com instituições privadas).

E é justamente na Formação Técnica e Profissional que está um dos maiores gargalos da educação brasileira, pois diplomamos um contingente de técnicos muito inferior às nossas necessidades e em comparação à média dos países desenvolvidos. Durante a vigência do Antigo Ensino Médio, apenas cerca de 10% dos discentes estavam matriculados nessa modalidade. Contudo, no governo anterior, a partir de 2022, com o Novo Ensino Médio, houve um bem-vindo despertar, um ecossistema propício para uma oferta mais significativa de matrículas para os cursos profissionalizantes. No Paraná, por exemplo, em 2024, 32% das aproximadamente 115 mil novas matrículas no 1º ano do Novo Ensino Médio seguiram a trilha de uma formação técnica (em 2021, eram apenas 11%). Ademais, os cursos técnicos têm o mérito de reduzir a evasão e a reprovação, especialmente quando as ofertas são articuladas com as demandas regionais, pois são uma mola propulsora que dá tração à aplicação prática dos conhecimentos teóricos ministrados, além de oportunizar a monetização em virtude do ingresso no mercado de trabalho.

O Ensino Médio a ser implementado a partir de 2025 traz ainda duas outras alterações significativas: a) permite aos estudantes do Ensino Médio em tempo integral terem reconhecidas pelos sistemas de ensino aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas em experiências extracurriculares, como estágios e trabalhos voluntários supervisionados, cursos de qualificação profissional com certificação, iniciação científica ou atividades de liderança em grêmios estudantis; b) Matemática e Língua Portuguesa deixaram de ser componentes curriculares obrigatórios em cada um dos três anos do Ensino Médio, desde que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seja cumprida integralmente no percurso dos três anos. Embora intensamente recomendável que estejam presentes nos três anos do Ensino Médio regular, podem, porém, facilitar a arquitetura da matriz em realidades específicas, como, por exemplo, educação especial inclusiva, nas comunidades indígenas, quilombolas, do campo, bilíngue de surdos e na EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Foi também estabelecida a obrigatoriedade, quando houver demanda, de que todos os municípios do país ofertem turmas para o Ensino Médio regular noturno, permitindo-se uma matriz bastante flexível, conquanto seja essencial uma melhor regulamentação pelo respectivo sistema de ensino, considerando 1.257 municípios terem menos de 5.000 habitantes. Pode haver pressão política para que se abra uma turma de 1º ano noturno com cinco alunos, o que aumenta a probabilidade de no 3º ano existirem um ou dois concluintes apenas, representando um custo elevado para os cofres públicos.

Até hoje, a modalidade EaD pode ser aplicada ao Ensino Médio com um limite de 20% para o período diurno e 30% para o noturno. A partir de 2025, não mais. A Resolução 2/2024 determina que, em vez da EaD, se incorpore a educação mediada por tecnologia, que é uma prática pedagógica inovadora, mas já consagrada. Essa modalidade permite a realização de aulas a partir de um local de transmissão para salas localizadas em qualquer lugar do país, com o pressuposto de que um docente ao vivo deva estar mediando a aprendizagem dos educandos no ambiente escolar, de maneira que interajam em tempo real. Também admite a educação híbrida, que combina atividades pedagógicas presencial e não presencial, mediadas pela ação de um professor, com suporte nas tecnologias ou mesmo outras ferramentas colaborativas como por exemplo, materiais impressos, áudios, vídeos, discussões em grupo (metodologia bastante empregada durante a pandemia da Covid-19).

O Presidente vetou a cobrança de conteúdos dos itinerários formativos no Enem, assim a avaliação seguirá focada na FGB, constituindo-se uma acertada decisão, ao menos para esse primeiro momento, porque, se fossem exigidos – por serem excessivamente pulverizados e diversos –, as condições de isonomia ficariam comprometidas, uma vez que o Enem é um dos principais balizadores do Ensino Médio. Isto posto, é de bom alvitre que as Universidades adotem, nos processos seletivos, o sistema de pesos para os componentes curriculares.

E a fim de que não haja uma desmotivação para a matrícula em cursos técnicos, é recomendável que, no futuro próximo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) desenvolva uma plataforma para avaliar tais cursos, à semelhança do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que avalia os cursos de Ensino Superior. É relevante que desde já se encontre uma maneira de motivar os estudantes a se dedicarem com denodo às 600 h e, pelo que foi sinalizado, um encaminhamento é estabelecer uma boa matriz curricular para os Itinerários Formativos de Aprofundamento (IFA), cujo conteúdo poderia vir a ser futuramente cobrado no Enem e nos vestibulares.

Nesse ponto, decorre um grande desafio: os estudantes dos cursos técnicos ficarão, de certo modo, prejudicados nesses exames, pois é de 800 a 1.200 h a carga horária dedicada à Formação Técnica e Profissional. É preciso pensar em alternativas para não desmotivar os estudantes que queiram se matricular nesta opção tão relevante e necessária para o Brasil, caso também anseiem posteriormente ingressar no Ensino Superior. Uma sugestão é atribuir um peso adicional aos diplomados em cursos técnicos, nas provas do Enem e nos vestibulares, ou seja, um fator multiplicador de, por exemplo, 1,20 às notas desses exames. Estes 20% (ou outro índice) justificam-se, considerando que as quatro áreas (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais) e a Redação compõem cada uma delas 20% do cômputo geral da nota do Enem – por que não igual peso à formação técnica?

Ou outra sugestão para debates: a maioria dos vestibulares das universidades adota o sistema de cotas, distribuindo 50% das vagas para cotistas e 50% das vagas de concorrência geral. Isto posto, a sugestão seria dispor de metade das vagas de cotistas (ou seja, 25% do total) para os alunos com habilitação técnica profissional. Há atualmente um desvirtuamento da distribuição de vagas, pois parte dos cotistas tem padrão de classe média, estudam em escolas públicas e, no contraturno, pagam aulas particulares ou cursos preparatórios, desfigurando o propósito das políticas afirmativas que visam promover equidade e justiça social.

Além disso, as diretrizes da FGB e dos IFA devem ser norteadoras, no sentido de garantir a presença de temas contemporâneos e relevantes. Direta ou transversalmente, devem ser ofertados conteúdos de Letramento Digital, Educação Financeira, Pensamento Computacional e Projeto de Vida. A propósito, a prova do Pisa 2025 vai avaliar as competências tecnológicas para o mundo digital; o Projeto de Vida deverá estar presente ao longo de todo o Ensino Médio, pois incentiva o autoconhecimento e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, preparando o aluno para as escolhas profissionais e para a vida adulta; e pela sua importância, os concursos cada vez mais têm cobrado questões de Matemática Financeira: como exemplo concreto, das 45 questões da prova de Matemática do Enem aplicada em novembro de 2024, oito questões foram relativas ao tema, superando qualquer outro.

Está praticamente definido pelo MEC que o Enem tenha mais abrangência já a partir de 2025: a) que volte a ser, assim como na década passada, uma prova de certificação para aqueles que não concluíram o Ensino Médio, com 18 anos ou mais, independentemente da escolaridade formal. Apesar de já termos, para este mister, o Encceja, que continuará sendo aplicado em outra data (geralmente em agosto), o Enem tem mais amplitude de locais de prova); b) que, em vez da Prova do Saeb, aplicada aos concluintes do Ensino Médio, seja considerada a nota do Enem, o que proporcionaria um incremento na média das notas, pois maior é o denodo e a motivação no Enem, uma vez que nada ganham e nada perdem com o Saeb. Ademais, nem todos os concluintes do Ensino Médio se inscrevem na prova do Enem, e os que a prestam têm em geral um desempenho superior, uma vez que se esforçam pelo desejo de concorrer a uma vaga em Universidade.

Mas, acima de tudo, é preciso empenho para que não seja um déjà-vu do Antigo Ensino Médio com os seus componentes curriculares repletos de penduricalhos desmotivantes e extemporâneos. De fato, só não vamos ter um arremedo do Antigo Ensino Médio com a conscientização e muito treinamento em todo o ecossistema da escola, além de uma intensa vigilância por parte do MEC e das Secretarias Estaduais de Educação. É promissor o fato de o MEC estar capacitando em gestão e pedagogia mais de 200 profissionais de todas as 27 Secretarias Estaduais de Educação do Brasil. Terão a função de orientar as redes, acompanhar a implantação e se reportarem ao MEC indicando dificuldades enfrentadas em cada um dos Estados.

Já me situando na categoria dos 60+, afirmo ao leitor que muito valorizo o conteúdo clássico, acadêmico, no entanto não se pode deixar de considerar que apenas 36% de nossos alunos de escolas públicas ingressam no Ensino Superior, de acordo com dados do IBGE. Um índice de per si baixo, especialmente se levarmos em conta o benefício das cotas sociais e, ipso facto, reitero a necessidade de serem excluídos aqueles conteúdos sem serventia para a futura vida acadêmica e profissional.

Conquanto, consideremos que o mundo mudou muito nos últimos dez anos e, com ele, também a escola deve equilibrar as competências e habilidades cognitivas e socioemocionais com os avanços das tecnologias educacionais, sendo a inteligência artificial (IA) a mais avassaladora delas. O Prof. Pedro Flexa Ribeiro, com sólida formação pedagógica, experiência como diretor de escola e atuação como membro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, muito bem expressa essa dicotomia e contemporaneidade da escola: “A nossa tradição vem de currículos escolares desenvolvidos em época de escassez de informação, na qual a escolaridade representava muitas vezes a única oportunidade em que os jovens teriam acesso a determinado repertório de conhecimentos. Assim, historicamente, os currículos escolares foram constituídos em um viés enciclopédico. Quando, hoje, pensamos em currículo, é preciso considerar que as atuais gerações já chegam imersas em mídias e redes sociais. O conhecimento e a informação fluem livremente e de forma abundante. Longe da escassez, impõe-se hoje um excesso de informação. Esse contexto, externo à escola, nos convoca a revermos o seu papel e forma de atuação. O que importa agora é ensinar a filtrar e a ter criticidade.”

Imbuídos de otimismo e positividade, vamos sim com intensa disposição para o trabalho árduo na implantação da nova lei do Ensino Médio, em busca de uma boa eficácia, pois, apesar dos desafios e até das discordâncias, bem ensina a sabedoria popular: “segure o choro e bola pra frente”. Está posto, é lei, vamos cumpri-la. Vamos, sim, desideologizar, despolarizar o ambiente escolar e educacional. Os vieses, os extremos, os corporativismos muito comprometem o futuro do nosso país, que elevadamente da educação de qualidade depende para promover inclusão social e formar capital humano para o exercício pleno da cidadania.

P.S.: Peço desculpas ao paciente leitor pela extensão deste artigo, justificando-me, pois não posso deixar muitas pontas soltas ao tratar das mudanças no Ensino Médio. As opiniões aqui expressas enaltecem os acertos, mas também sugestões e críticas construtivas, e não refletem necessariamente as posições das entidades com as quais colaboro ou colaborei. A complexidade do tema e a diversidade de visões entre meus colegas de trabalho enriquecem o debate.

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