Jacir Venturi e Jeanfrank Sartori
Dificilmente alguém atualmente defenderia que a fabricação de roupas voltasse aos teares manuais, renunciando a toda tecnologia, produtividade e economia que evoluíram desde as máquinas de tecelagem da primeira revolução industrial. Ou a volta de telefonistas conectando cabos em um painel para completar uma chamada intermunicipal após horas de espera, em vez de diversos equipamentos que sustentam autonomamente a comunicação moderna. E os exemplos análogos são muito mais numerosos do que nos damos conta em nosso dia a dia.
Historicamente, a adoção de tecnologia nas empresas gerou incremento da produtividade e substituição (não a mera eliminação) de postos de trabalho por outros de melhor qualidade e maior remuneração, inclusive com um ganho na média da qualidade de vida. Em um exemplo atual, em 2025 a Noruega encerrará a venda de automóveis à combustão, porém novos postos de trabalho ligados aos veículos elétricos tomarão o lugar de ocupações tradicionais do setor. É, portanto, uma dinâmica e uma transformação, não um processo efetivamente de redução, quando se considera o mercado de trabalho como um todo.
Todavia, o que estamos começando a experimentar é diferente. Em 1979, a General Motors empregava 800 mil funcionários e teve um faturamento de 11 bilhões de dólares. Em 2022, a receita do Google foi de 69,8 bilhões de dólares, empregando apenas 120 mil pessoas. Apesar de a comparação não ser totalmente justa, ela enfatiza o quanto as empresas de tecnologia e inovação – e delas nasce a inteligência artificial – tendem a ter cada vez mais um papel central, mas geram novos empregos diretos e indiretos numa escala proporcionalmente muito menor do que, por exemplo, quando os carros surgiram, o que é insuficiente para repor os postos de trabalho eliminados.
O ingresso da inteligência artificial nesse cenário, gostemos ou não, irá multiplicar exponencialmente esse efeito. Mesmo que o aprendizado de máquina não seja algo tão recente, tendo surgido na primeira metade do século passado, a digitalização de quase todos os aspectos da nossa vida, estudo e trabalho gerou, pela primeira vez, um banco de dados suficientemente amplo e complexo para as máquinas aprenderem, enquanto a evolução da eletrônica deu a elas a necessária capacidade de conexão, processamento e armazenamento para lidar com esse incomensurável volume de dados. Cada vez mais, o aumento da produtividade e da lucratividade estará desconectado da necessidade de incremento de horas trabalhadas, de empregos e da qualidade de vida.
Diante dessa realidade, a escola tem um papel fundamental, pois a ela é incumbida grande parcela da responsabilidade em preparar crianças e jovens para enfrentar os desafios vindouros. Todavia, restam dúvidas se as instituições de ensino estão prontas para isso. Grande parte dos empregos do futuro dependerá predominantemente da capacidade de articular diversas áreas do conhecimento e de trabalhar eficientemente em conjunto com a inteligência artificial e menos do domínio de informações ou técnicas específicas, que podem ser facilmente evocadas e aplicadas quase que instantaneamente pela máquina, o que propomos chamar de coautoria do trabalho.
Como consequência, à escola caberá conjugar o repasse do conhecimento produzido historicamente pela humanidade – principalmente com foco no desenvolvimento do raciocínio lógico e pensamento crítico – com o ensino às crianças e aos jovens da coautoria do seu próprio aprendizado e da sua vida pessoal em parceria com a inteligência artificial. Ademais, se de longa data se enfatiza o importante papel da escola na socialização, no desenvolvimento das habilidades socioemocionais e na alfabetização digital dos estudantes, um novo desafio se impõe: proporcionalizar também a ambientação com a inteligência artificial. Sem isso, faltarão habilidades importantes para enfrentar o mercado de trabalho na vida adulta.
Em recente palestra no Rio de Janeiro, Sam Altman, 38 anos, um dos criadores do ChatGPT, reafirmou que grande será o impacto dessa tecnologia na sociedade e enfatizou que os postos de trabalho que menos correm o risco de serem substituídos pela inteligência artificial são aqueles que envolvem a criatividade e a tomada de decisão. Precisamos repensar o futuro que daremos às nossas crianças e jovens e como podemos capacitá-los para a melhor preparação possível.
Jeanfrank Teodoro Dantas Sartori, doutorando, é mestre em Gestão da Informação pela UFPR, especialista em Business Intelligence pela Universidade Positivo e bacharel em Administração pela UPFR, atuando há mais de 20 anos nas áreas de tecnologia e ciência de dados.
Jacir J. Venturi, membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi professor e gestor de escolas públicas e privadas, da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de 4 livros.
Leia outras colunas do Jacir Venturi aqui.