No imaginário daquele que foi a maior expressão literária argentina, Jorge Luiz Borges (1899-1986), “o paraíso seria uma espécie de biblioteca”, espaço de enlevo, democrático e ao mesmo tempo mágico, pois quem lê desenvolve a boa escrita, a oralidade, a análise crítica, o pensamento autônomo, a abstração e a imaginação. Ademais, ler o que se gosta é um dos grandes prazeres da vida. É bálsamo não apenas na ausência de companhia, mas também em qualquer hora do dia e da noite. “O livro traz a dupla delícia de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado” –, numa oportuna citação do escritor gaúcho Mário Quintana (1906-1994).
Vivenciamos uma época singular da história, pois, com a internet e os e-books, há uma superabundância de livros, revistas e jornais a preços acessíveis – diferentemente de uma realidade não tão distante –, bem como se tornou acessível o download gratuito a praticamente todos os grandes clássicos da literatura universal. Assim, podemos optar pelo aconchego de um livro impresso ou pela praticidade de um tablet ou outro dispositivo digital, pois, ao contrário de algumas previsões belicosas, os e-books e as versões em papel não são rivais, mas suportes diferentes que retratam uma harmoniosa convivência entre gerações analógicas, imigrantes digitais e nativos digitais.
A versão digital representa atualmente, no Brasil, cerca de 10% da versão física. Conforme o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o varejo registrou um total de 43,9 milhões de livros físicos comercializados em 2021, apesar de o hábito da leitura, no país, estar diminuindo de maneira gradual, principalmente entre as pessoas com maior escolaridade e poder aquisitivo. Os dados mais recentes do levantamento, feito a cada quatro anos, mostram que o índice de pessoas que leram pelo menos um livro nos últimos três meses caiu de 56% para 52% entre os anos de 2015 e 2019, o que representa 4,6 milhões de leitores a menos. Retratam, ainda, que a maioria considera que a leitura ensina a viver melhor e que se converte em bons hábitos.
Fruto de um costume já arraigado e do inconsciente coletivo, muitos de nós, mesmo os refratários ao e-book em virtude do encanto dos livros de papel, já se renderam às novas tecnologias. Os dispositivos tecnológicos para leitura são práticos, armazenam vários livros – uma facilidade para as viagens – e os preços são módicos. O mundo digital, no entanto, exige mais disciplina pessoal, favorece a dispersão pelas interferências fora do contexto e pode afetar a magia, a imaginação ou a reflexão mais profunda pela concorrência dos múltiplos estímulos visuais e sonoros.
Ademais, todos sabemos que uso excessivo de telas pode provocar problemas na visão, como, por exemplo, a miopia, que atinge proporções epidêmicas: na Coreia do Sul, afeta 90% dos jovens e, em Israel, 80%, diferentemente de décadas passadas, quando a causa genética era prevalecente, em que os índices raramente passavam de 23%. Além disso, alguns estudos indicam que ler na tela pode ser menos eficiente em comparação ao livro impresso para a compreensão e retenção de conteúdo, em especial os mais complexos.
Porém, seja na forma impressa, seja na digital, uma pesquisa da Universidade de Roma afirma serem mais felizes os leitores em relação aos não leitores. Afinal, ler bons livros muda – e para melhor – a mim, muda a ti, muda a plasticidade do nosso cérebro. E com o passar dos anos, o bem-estar psíquico depende essencialmente das boas relações afetivas, viagens, filmes, leituras, etc. As boas lembranças representam uma dimensão importante da nossa individualidade. À medida que envelhecemos, não há como não ter um olhar retrospectivo de nossas vidas, pois, se quero envelhecer bem, entre outros requisitos, devo fazer aflorar boas recordações e ter a sabedoria de assumir paulatinamente a própria desimportância, não para mim, mas para os outros.
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