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JACIR-CABECA-COLUNA

Perrengues de um professor de Matemática (4)

26/03/2025

Uma amiga pedagoga sempre repete, com humor, que até gosta de Matemática, mas prefere manter distância dos matemáticos. Segundo ela, esses indivíduos são sorumbáticos, macambúzios e meditabundos. Parece até que decorou o dicionário para fazer chiste, pois, em sua visão, esses “seres estranhos” só pensam em problemas. Eu acho graça, conformado com aqueles que veem os matemáticos de maneira estereotipada, uma vez que, por vezes, fazemos por merecer. Mas essas contendas ocasionais, nem sempre tão bem-humoradas, entre os profissionais das áreas de Exatas e Humanas – comumente descritas como razão versus emoção – acabam evidenciando o quanto ambas as perspectivas se complementam.

Durante minha trajetória como gestor escolar, sempre mantive uma convivência harmoniosa com os colegas, mesmo que tivessem ideologias diferentes das minhas. Quando emergiam naturais discordâncias, busquei seguir o preceito de Voltaire: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo.” Contudo, como professor, essa liberalidade não se aplica à sala de aula, território em que o aluno é um ser cativo e em formação.

Temos aqui alguns causos anedóticos, narrados por um professor de Matemática que exerceu sua profissão com zelo e paixão por quase cinco décadas. Muitos outros episódios ocorreram durante essa trajetória, porém respeitamos a paciência do leitor. Em meu site (www.geometriaanalitica.com.br), já visitado por 1,3 milhão de pessoas de cerca de 70 países, conforme o Google Analytics, você encontra mais causos e livros gratuitos — portanto, sem qualquer interesse comercial –, dois dos quais no passado fizeram grande sucesso em disciplinas de Matemática no Ensino Superior.

(Para o leitor interessado em meus artigos anteriores, basta clicar em “aqui” na última linha do presente texto).

jacir venturi

Uma busca insana

Samuel Lago, grande didata da Biologia, foi meu colega de tablado no Colégio Estadual do Paraná, nos anos 1970, e também um dos fundadores de um conhecido curso pré-vestibular de Curitiba, tendo infelizmente falecido em 2020. Homem culto e leitor voraz, escrevia e editava inúmeros livros, seus ou de outros, frequentemente até altas horas.

Sempre que nos encontrávamos, ele me cumprimentava com a mesma saudação: “E daí, Cotangente de Beta, tudo bem?”. Eu retribuía o carinho, chamando-o de “Professor Pornófono”, por suas incontinências verbais — título que ele adorava.

Por diversas vezes, ele me ligava pela meia-noite, começando a conversa: “E daí, dormindo, meu amigo ‘Cotangente de Beta’?”. Mesmo em sono profundo, por cortesia respondia que não. Ele então engatava as perguntas: “Para que servem esses tais de seno, cosseno, tangente, secante?” e “Me diga aí, acharam o ‘x’? Faz dois mil anos que vocês procuram essa p***a do ‘x’, e nada! Em todos os livros de Matemática está escrito: ‘Ache o x’, ‘Calcule o x’… e vocês nunca encontram!”.

 

Quando a memória não ajuda

Nos anos 1970, 1980 e 1990, professores de cursos pré-vestibular eram celebridades. Certo dia, caminhava com um deles, amigo meu, pela Rua das Flores no centro de Curitiba, quando alguém bateu em suas costas. Ao virar-se, deparou-se com um rosto familiar, mas não o reconheceu de imediato. Para quebrar o breve silêncio, tomou a iniciativa:

— “E aí, estudando muito?”

— “Pô, professor, sou seu vizinho de apartamento!”

 

Perguntar às vezes ofende, sim!

Em algumas ocasiões, como infelizmente já aconteceu com tantos outros mestres, alunos me abordaram com curiosidade genuína, mas impalatável ao pobre docente: “Professor, você trabalha ou só dá aulas?”

 

Com o Coronel, melhor não arriscar!

Em 1975, casei-me no Mato Grosso. Eu era um professor esforçado, engenheiro formado e de “boa família”, predicados valorizados à época. Meu sogro, prefeito da cidade e conhecido como um “coronel”, estando brigado com o pároco local mandou buscar de avião o bispo de Campo Grande para celebrar o casamento.

Na festa de noivado, ele foi enfático: “Filha minha não se separa. Fica viúva!”. Depois, brincava comigo, dizendo que não passava de uma tirada humorística da região.

Leia outras colunas do Jacir Venturi aqui.

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