Nas mil páginas de seus diários, Getúlio Vargas nomina 1.300 pessoas. Mas uma mulher anônima, de “beleza estonteante”, arrebata por 14 meses o coração do presidente com intensa paixão e lascívia. Quem seria a “bem-amada”? Adalgisa Nery? Virgínia Lane? Ou a pouco citada Aimée?
Credita-se a Vargas um romance com Adalgisa Nery (1905-1980), poetisa, escritora, mulher linda e independente. Era casada com Lourival Fontes (1899-1967), jornalista sergipano, homem culto que dirigia com mão de ferro o temido DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), ligado diretamente à presidência da República e responsável pelo rígido controle dos meios de comunicação.
Várias vezes o presidente foi advertido sobre os comentários de seu affair com Adalgisa.
Getúlio despista com fina ironia:
— Qual nada! Isso é invenção do Lourival, só para se gabar!
Essa tirada arguta do presidente carece de amparo histórico, mas é verdade que ele tinha um tirocínio intelectual muito sagaz.
Vejamos mais uma:
Fortes boatos deram conta de um romance entre o ditador Getúlio Vargas e a cantora e vedete Virgínia Lane. Dona de belas e bem torneadas pernas, ela se tornara símbolo sexual nos anos 40 e 50.
Mais uma vez os áulicos sussurram nos ouvidos de Vargas:
— Cuidado presidente, os fuxicos sobre você e Virgínia são intensos.
— Sim, não há outro jeito de manter a “dita-dura” — gargalha Getúlio.
Blague à parte, a própria Virgínia se rendeu à gabolice: “Fui eu a bem-amada”. De fato, existiu um romance entre os dois, mas não foi ela a “paixão alucinante” descrita nos diários. Carlos Heitor Cony me disse pessoalmente: “Virgínia não fazia o tipo de Getúlio para justificar tamanha voluptuosidade”.
Mas quem seria então a “bem-amada”, o “encanto da minha vida”, a “mais bela flor”, a “luz balsâmica” que Getúlio narra em seus diários?
Em abril de 1938, a volúpia dos amantes chega ao clímax: dez encontros em Poços de Caldas. O próprio Getúlio descreve a aventura: “O encontro deu-se em plena floresta, à margem de uma estrada. Para que um homem de minha idade (55 anos) e da minha posição corresse esse risco, seria preciso que um sentimento muito forte me impelisse. Regressei feliz e satisfeito, sentindo que ela valia esse risco e até maiores.” E continua na semana seguinte: “Este segredo tem no bojo uma ameaça de temporal que pode desabar a cada instante.”
A força dessa libido chega a abalar o casamento de 27 anos com D. Darci, união que lhes propiciou 5 filhos.
Mais uma vez: quem seria a amada? Cherchez la femme (procure a mulher), diriam os franceses. A dama necessariamente pertencia ao círculo do poder varguista. Outra pista: no diário várias palavras estão escritas em francês e, coincidentemente, nesse idioma aimée significa amada.
As luzes das evidências e a coincidência de datas apontam para a bela paranaense Aimée Sotto Mayor Sá (foto). Foi casada com o gaúcho Luís Simões Lopes, chefe de gabinete do ditador apaixonado. Em 1938, Aimée se separa do marido e parte sozinha para viver na Europa. A partida da bem-amada merece vários registros nos diários.
A revista Veja (13 de dezembro de 1995) a encontra em Paris, já octogenária, porém lúcida e afável.
— Dizem que a senhora teve um romance com o presidente Vargas. É verdade? — pergunta a revista.
— Você deve concordar que, com a minha idade, não posso estar fazendo confissões — responde enigmática e laconicamente Madame Aimée.
— A senhora conhecia o presidente? — insiste a repórter.
— Eu não vou falar nada que possa ofender os familiares que ainda estão vivos.
Sejamos cartesianos, Aimée: não há nenhuma ofensa à família de Getúlio em negar o seu envolvimento com ele. Ofensa à verdade, talvez!
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