Junho é o mês em que a Igreja Católica comemora santos de grande fé popular: Santo Antônio, o santo casamenteiro, no dia 13; São João, no dia 24, quando se canta “Capelinha de melão é de São João, é de cravo é de rosa, de manjericão…”, aprendida cedo na escola; São Paulo e São Pedro (primeiro chefe da Igreja Católica), no dia 29.
Conversando com meu amigo sobre os “santos do dia”, fomos em busca dos nossos próprios padroeiros, o que nos levou a uma pesquisa pelos anos de 200 D.C. (depois de Cristo). A partir daí, chegamos, por curvilíneos meandros, a uma personagem que me era totalmente desconhecida: a poderosa Impéria.
Impéria foi celebrada por muitos, dentre os quais o famoso Honoré de Balzac (1799 – 1850), romancista e crítico francês, autor de A Comédia Humana. Dentre seus famosos contos “Les Contes Drolatiques”(mais de 100 contos), Balzac escreveu o primeiro, intitulado “La Belle Impéria”, em sua homenagem. Publicado no século XIX, foi lustrado por Gustave Doré (1832 – 1883), ilustrador de tantas das mais diversas e famosas obras já escritas, tais como a Bíblia, passando por Don Quixote de Servantes , Chapeuzinho Vermelho de Charles Perrault, a Divina Comédia de Dante e A Comédia Humana, que nos traz de volta a Balzac e à Bela Impéria, foco da nossa coluna.
A belíssima escultura de Impéria, em cimento polido, localizada na entrada do grande lago de Constância, o maior da Alemanha, fazendo divisa com Áustria e Suíça, foi motivo de enorme controvérsia. A obra, que mede nove metros de altura e fica sobre um pedestal que gira em torno de um eixo a cada três minutos, comemora o Concílio de Constância, acontecido entre 1414 e 1418, que buscava resolver a disputa entre dois papas pela posição de chefe da Igreja Católica. O monumento apresenta uma bela mulher com seu voluptuoso corpo levemente coberto por uma veste entreaberta, tendo “na palma da mão”, à direita, a miniatura de um Rei (talvez o Imperador Sigismundo, que convocou o Concílio) representado por um idoso homem nu portando uma coroa e, à esquerda, um Papa (possivelmente Martin V. eleito durante o Concílio) portando a tiara papal. Na intenção de representar a integração entre Estado e Igreja, seu criador, o escultor Peter Lenk, modelou clandestinamente a obra instalada no local em 1993. Por estar em propriedade privada (de uma companhia de estrada de ferro), a escultura não pode ser destruída ou retirada do local e acabou por se tornar o centro das atenções e o marco da cidade de Constância.
Imperia no Porto de Constança- Alemanha: Foto Copyright- Fb78- From Wikimedia Commons
Quem teria sido essa poderosa mulher?
De santa, Impéria não tinha nada. Segundo o texto de Adão Monquelat e Jonas Tenfen (2016), Impéria Cognati, jovem versada em música e literatura, nasceu em Roma, em 3 de agosto de 1455 (portanto, uma leonina*), filha de Diana di Pietro Cognati, cuja ocupação era a prostituição. Devido a seus dotes intelectuais, Impéria foi tida como cortesã e não prostituta. Vivia entre os nobres e intelectuais de seu tempo. Foi modelo para o pintor Rafael Sanzio (1483 – 1520), tendo posado para o afresco Triunfo de Galatea e como Safo no afresco Le Parnasse.
Raras são as obras monumentais em forma de mulher, sendo a mais famosa a Estátua da Liberdade, também beirando as águas, inspirada na deusa romana Libertas representando a liberdade. Os monumentos que existem em forma de mulher não são sobre elas mesmas, mulheres, e sim sobre ideias ou ideais a serviço das quais estão. Assim, Impéria continua a ser a rara escultura da mulher que, por sua beleza, cultura e poder do sexo, mereceu o espaço que ocupa no belo lago de Constança, na Alemanha.
(*) grifo meu.
Imagem de abertura: Escultura Imperia na entrada do Porto de Constança – Alemanha. Foto de Florian Fell, Public Domain, via Wilimedia Commons
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