HojePR

A arte da criança

10/10/2023
arte

Poderia dizer arte infantil, mas não seria a mesma coisa!

 

Mexendo na minha biblioteca essa semana, encontrei o livro “Child Art: The Beginning of Self-Affirmation”, produzido a partir de um congresso, com o mesmo nome, acontecido no Campus de Berkeley da Universidade da Califórnia, em maio de 1965. O congresso reuniu as personalidades internacionais mais reconhecidas do momento, nesse campo, e pretendia proporcionar a oportunidade de uma nova compreensão do desenvolvimento artístico da criança e seu significado para uma vida criativa. Esse assunto nunca se esgota! O evento – acontecido há quase sessenta anos, tendo resultado na publicação que aqui apresento – nos mostra a importância dada ao descobrimento da alma humana por meio de suas manifestações visíveis e como a arte tem sido fundamental nessa busca que também não se esgota.

 

Resolvi escrever sobre esse pequeno livro, porque a data é convidativa, já que depois de amanhã comemoramos o “dia da criança” e porque arte infantil é um assunto que “dá pano pra manga”. Questões como por que a arte das crianças não está nos museus? No que essa manifestação artística difere tanto da arte abstrata, ou naif, sobre a qual muitas vezes ouvimos dizer que “até uma criança faria”? É um tema apaixonante, bastante controverso e que diz respeito a quase todos nós, como pais, avós, psicólogos e professores.

 

 

Na abertura da obra em questão, Berthold Lowenfeld (1901-1994) – Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Viena, que dedicou sua vida à busca de integração de pessoas com deficiência visual na sociedade – nos diz que um dos pontos que distingue a arte da criança da arte propriamente dita, é que na arte, o que importa é o produto, ou seja, a obra em si mesma, e que, no caso da criança, o que conta é o processo, os sentimentos e pensamentos que levaram a criança a se expressar. Lowenfeld afirma que, embora achemos os resultados expressivos e interessantes em si mesmos, acredita que nosso interesse neles venha não do fato de serem uma produção artística e sim uma produção da criança.

 

No prefácio do Editor, Hilda Present Lewis – Ph.D. pela Universidade Estadual de São Francisco, pesquisadora e autora sobre os processos de desenvolvimento do desenho infantil – apresenta uma breve visão de cada um dos vários participantes da conferência, que mostram, entre outras abordagens, a importância da oportunidade da criança se expressar pela sua arte, em seu mundo que é novo, momento em que a criança responde a esse mundo com espontaneidade, testando-o, experimentando-o, vendo o que acontece e o que pode fazer com ele. Fala que a criança ainda não tem as barreiras e os hábitos mentais criados pelo adulto. Comenta que, em sua exploração do mundo, ela descobre regularidades e leis que permitem que viva no seu entorno com mais facilidade. Afirma que a livre experimentação resulta no estabelecimento de uma estrutura interna.

 

Muitas são as abordagens para o assunto tratado nesse encontro, que aqui não poderemos ou iremos descrever. O que podemos dizer é que nos levam para muito além do assunto da arte como comumente a entendemos e que vale a pena conhecer esse conteúdo na íntegra e sempre lembrar que a infância é um momento curto e de raro valor para o desenvolvimento humano. Portanto, é necessário que tenhamos, no nosso dia-a-dia, a consciência de como esse tempo é curto e que, embora mais tarde procuremos beber nas águas das nossas infâncias com suas delicadezas, descobertas e ousadias, nunca seremos capazes de revivê-lo. Quando muito, teremos lembranças, caso tenhamos tido a felicidade de viver infâncias livres e criativas.

 

Tenhamos consciência de que a arte da criança é uma forma de autoconhecimento, de contato e releitura do mundo que a cerca e que permite a ela se estruturar com equilíbrio, além de se comunicar com o quê e quem a rodeia fisicamente. A coragem, a confiança e as ousadias desenvolvidas nesse período serão solapadas pelo “olhar embaçado e pela paisagem sem forma” dos aparelhos que colocamos nas mãos das nossas crianças.

 

Estamos, atenta ou desatentamente, forjando o destino da humanidade.

 

Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *