Fico, às vezes, imaginando como seria voar. De início, parece que o céu é infinito e disponível para que se possa usufruir desse espaço, livremente, ao contrário da terra, com seus caminhos, barreiras e fronteiras. Penso que, talvez, seja um pouco como nadar debaixo d’agua, só que ainda mais livre, considerando a diferente densidade de ambos.
Costumamos usar a expressão “livre como um pássaro”! Será que eles são tão livres assim? Sabemos que pássaros vivem em determinadas regiões do planeta, o que deve significar que não possam sair voando soltos por aí, sem direção. Afinal, eles também têm suas amarras – as limitações de sua própria natureza. Tem que comer, evitar serem comidos, procriar, construir seus ninhos e cuidar de suas crias. Também devem ser limitados pelas estações do ano, que oferecem frio ou calor e determinados tipos de alimento.
Tantos de nós, humanos, invejando a aparente liberdade desses seres alados e, desde sempre, procuramos maneiras de imitá-los. Vi o encantamento e brilho nos olhos de meu neto ao encontrar, junto às minhas esculturas, umas asas verdes de foam que criei para um personagem das minhas obras. Saiu imediatamente em busca de uma fita crepe e pediu para que as amarrássemos em suas costas e, mais que depressa, procurou o degrau mais alto da escada, que lhe pareceu possível, para saltar e alçar voo. Passou, aquela amanhã, correndo com suas novas asas pela casa!
Já Ícaro, um de seus personagens favoritos na mitologia grega, ignorou as limitações técnicas e sucumbiu ao delírio de alcançar o sol. Saint-Exupéry, que poderíamos dizer ser um Ícaro moderno, voou, sempre, ignorando os avisos advindos de algumas quedas e acabou voando até desaparecer nos céus. Não poderia deixar de citar Santos-Dumond, o nosso “Pai da aviação” que, para meu susto e injúria, vi destronado na aula de história na High School, quando o professor afirmou, sem sobra de dúvidas, serem os Irmãos Wright os inventores do primeiro aeroplano capaz de voar com sucesso.
Na história dos homens, os pássaros têm sido usados como símbolos de altivez, força e poder, sendo a águia a ave mais escolhida para tal, justamente por forças militares – nada relacionadas à liberdade, mas ao contrário – em sinal de poder e dominação como, por exemplo, no Império Romano, nos Estados Unidos (onde é a ave símbolo) e na Alemanha, em diversos momentos históricos.
Nas artes, seja na poesia, no cinema ou nas artes plásticas, elas, as aves, tem um lugar muito especial, por tudo que significam para nós e pelo que nos inspiram. A Magnífica Vitória de Samotrácia, a deusa grega Niké, foi encontrada em 1863, em pedaços, nas ruinas do santuário dos grandes deuses na ilha de Samotrácia, esculpida no século II a.c., em mármore branco de Paros, com 245 centímetros de altura. A deusa alada pode ser vista, em toda a sua majestade, no topo de uma das escadarias do Museu do Louvre, em Paris.
No Brasil, a escultura de Ícaro está na Academia da Força Aérea (AFA) brasileira, desde a sua criação, em 1941. Uma escultura semelhante ao “Ícaro Alado” – monumento erguido pelo governo francês em Saint-Cloud, Paris, em 1913, em homenagem ao pioneiro da navegação aérea Alberto Santos-Dumont – é refundida depois da Segunda Guerra, após ter sido derretida para fins militares, e reinstalada no mesmo local, em 1952. Na placa central do monumento da AFA está escrito: “Aos que deram a vida por um ideal. Monumento in Memoriam aos Cadetes que faleceram na Academia da Força Aérea”.
Nas minhas memórias de menina, está gravada a imagem do ser alado que habita a Praia Vermelha no Rio de Janeiro, um dos mais imponentes conjuntos escultóricos da cidade, com 15 metros de altura, dedicado aos heróis da Campanha da Laguna e Dourados na Guerra da Tríplice Aliança (1861-1870), por sua vez, imortalizada na literatura por Visconde de Taunay.
Essas são algumas lembranças de pequenas e grandes histórias do homem em busca da liberdade de voar pelos céus infinitos, hoje cheios de “espaços aéreos” privados, conquistados a duras penas, em sangrentas batalhas. Nada a ver com o sonho de liberdade de voar que imaginamos.
(Imagem de abertura: ”A Queda de Ícaro”, (detalhe) ,1635-1637, Jacob Peter Gowy – óleo sobre tela, 195x180cm. Museu do Prado)
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Mais uma leitura que nos leva à devaneios. Adoro seres alados, destaco a Vitória de Samotrácia, belíssima imagem feminina, sem cabeça, com longas asas que está em destaque em frente a uma das escadarias do Museu do Louvre recepcionando-no.