A arte das pequenas artesanias que nos encantam no dia a dia e que fazem de nossas vidas e nossos ambientes lugares especiais. Quando eu era pequena, aprendíamos no colégio a bordar. Recebíamos no início do ano um tecido retangular cuja primeira tarefa era fazer uma bainha em volta. Devíamos, com uma agulha, retirar três ou quatro fios da trama do tecido, a dois centímetros da borda, em todo o entorno para depois com a mesma agulha e linha ir amarrando grupinhos de fios, de três e três, e pendendo-os ao fundo. Feita toda a barra, deveríamos ir preenchendo o espaço interno, durante o ano, com amostras dos pontos de bordado que iríamos aprender. Digo iríamos porque eu tinha horror a essa tarefa minuciosa e sempre pedia para alguém fazer pra mim.
Por outro lado, vi minha mãe bordar a vida inteira. Mãe de sete filhos, dos quais quatro meninas, não faltava o que fazer. Bordou todos os “enxovais” com suas toalhas de mesa de três metros, lençóis e fronhas, além de outros infinitos quadradinhos de crochê feitos de linha branca. Tudo isso enquanto conversava com os filhos e os amigos dos filhos que frequentavam nossa casa, ao som de Francisco José, Chopin, Edith Piaf e “El Passo Doble” que irresistivelmente nos fazia dançar.
Em outro momento, frequentei a sessão de bordados das meninas que eram cuidadas pelas Irmãs Sacramentinas, numa casa que ficava no alto da rua Inácio Lustosa. Exímias bordadeiras, as mocinhas bordavam “ponto cheio” como deusas, com absoluta perfeição, o que me apavorava, pois sabia que jamais o faria tão bem, mesmo porque não tinha a menor intenção de desenvolver aquelas habilidades. Enquanto bordavam, uma delas lia passagens da Bíblia, o que eu achava totalmente desinteressante, embora bem mais tarde, tenha frequentado, no colégio, estudos bíblicos, por minha própria escolha, em encontros aos sábados de tarde com Soeur Paula Tereza.
Na aula de artes do colégio, também aprendemos a fazer um protetor para o trinco de geladeira, aquelas que davam choque. A peça vermelha era uma espécie de morango gigante, bem fofinho, que encaixava no trinco da geladeira, e de onde pendiam três moranguinhos – tarefa e resultado detestáveis –, na minha opinião. Já as sacolas de sisal, sim! Fiz a minha com gosto! Era de um azul raro e terminava com franjas na ponta. Fiquei muito vaidosa da minha criação e a usei para carregar “as coisas da piscina” por muitos anos. A piscina era a do Clube Juventus, sociedade dos poloneses, onde aprendemos a nadar com boias de cortiça. Era a única piscina disponível na região, de onde voltávamos a pé, famintos, depois de tanta brincadeira, até a atual Praça do Japão onde morávamos.
Apesar do desgosto da época, nada foi em vão! Quando minha filha, Adriana, ia se casar, o vestido escolhido tinha um colete bordado, tarefa que considerei simples para a Dona Aspásia, que, como já não tinha mais os mesmos olhos nem a mesma paciência, abdicou da tarefa. O que fazer? Criei coragem, peguei agulha e a coleção de linhas de seda que ela ainda tinha e me entreguei ao desafio, lembrando dos ensinamentos da infância e da constante observação da arte que presenciei ser construída por toda uma vida.
Compartilho aqui com vocês meu primeiro e único bordado “de verdade”, que de certa forma resume toda essa pequena história.
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Querida ELISABETH,
É sempre uma delícia ler seus artigos, mas esse, em especial, foi de uma delicadeza singular: lindo e nostálgico como os bordados das fotos.
Muito obrigada Katia, por sua leitura e seu sensível comentário! Um abraço.