Pular para o conteúdo

HojePR

elizabeth titton

Comunicar significados e a linguagem artística

25/06/2024
comunicar

Consta que o homem seja um ser social, que vive em grupo, o que deveria significar que a comunicação seja parte vital da sua sobrevivência. As palavras ‘comunicar’ e ‘significar’, no dia a dia, são usadas com facilidade, como se fosse simples transmitir o significado de algo e ser compreendido “corretamente” pelo outro. É, no entanto, algo bem complexo e difícil de ser alcançado, mesmo em se tratando do uso de uma mesma linguagem.

Trato aqui desse assunto, porque, em princípio, o artista quando cria, ao colocar sua obra no mundo, o faz para compartilhar com os outros, seja o seu olhar para esse mundo, ou a sua interpretação dele ou de algo que tenha algum significado para si, a partir de uma conversa interior, que é fruto de sua interação consigo mesmo e com o mundo. Na quarta coluna que escrevi, aqui, para o HojePR, abordei esse mesmo assunto, sob o aspecto da comunicação. Hoje, gostaria de falar mais sobre os símbolos e seu significado na comunicação.

“Revoada” – Elizabeth Titton- 2019- coleção Muirapiranga -Acervo Hospital Pequeno Príncipe 

“No intercâmbio entre o eu e o eu, ou entre o eu e os outros, os símbolos e a linguagem são instrumentos necessários para chegar ao significado”(*). As letras e o alfabeto são exemplos de símbolos que, para gerar comunicação, é preciso que tenham o mesmo significado para um determinado grupo de pessoas. “Os símbolos, por si só, no entanto, não constituem a totalidade do processo de comunicação”(*). Precisam ter alguma forma de organização ou ser colocados em algum tipo de estrutura, como a linguagem escrita ou falada.

Nas artes, também é assim. Os elementos que o artista usa na realização da sua obra não têm um significado em si (tinta, cor, pincelada). Por exemplo, na minha obra escultórica, os passarinhos, as folhas e flores, que podem ser usados também por outros artistas, pois, em si, não configuram uma linguagem. Para que sejam reconhecidos como de minha autoria, é preciso que esses símbolos sejam estruturados a partir das minhas ideias, emoções e desejos, voluntariamente organizados, de forma a comunicar as minhas ideias. “Às maneiras de combinar os símbolos por métodos significativos, dá-se o nome de sintaxe”(*) e é essa sintaxe que torna minha a obra e a torna original e única . É o conjunto dos passarinhos, com a chapa de aço, com o corte a laser, mais a ferrugem, a tridimensionalidade, a monumentalidade, além da sequência de obras criadas, por vários anos, usando os mesmos símbolos numa determinada sintaxe que, juntas, formam uma linguagem artística capaz de ser reconhecida pelo grupo como minha, como uma assinatura.

”Palmeiras” – Elizabeth Titton- 2007- coleção IN Natura. Aço cortado a laser policromado (foto: Carlos Guerriero)

O artista é original, quando busca agrupar símbolos em uma determinada sintaxe que, para ele, tem um significado profundo e verdadeiro, na sua intenção de comunicar, de veicular uma mensagem pessoal para o espectador.

A tarefa de comunicar é ingrata, pois os significados estão nas pessoas, são resultado de sua própria experiência vivida. Então, se quero que o outro compreenda, compartilhe o mesmo significado, ou perceba a minha intenção ao usar um conjunto de símbolos que formam a minha linguagem artística, preciso da ajuda do tempo, da continuidade do trabalho, da exposição contínua de um determinado conjunto de elementos, de uma determinada forma. Como os pais, que ensinam a seus filhos o significado das palavras (símbolos), para que por meio delas e de sua sintaxe possam se comunicar, o artista também “ensina” o observador a reconhecer a sua mensagem, materializada na sua linguagem artística, única e original.

“Folhas” Elizabeth Titton-2013- Aço cortado a laser policromado (foto: Carlos Guerriero)

Transmitir significado é se comunicar. Mas, para tanto, é preciso que os símbolos escolhidos e a sintaxe que os integra formem uma linguagem que seja compartilhada pelo grupo a que se destina. Por esse motivo, cada artista que tem uma linguagem própria, tem seu grupo de apreciadores, pois são eles, justamente, que reconhecem e compartilham os mesmos significados propostos pelo artista quando ele escolhe os símbolos e a sintaxe da sua criação, ou seja: a sua linguagem artística, única e original.

(Imagem de abertura: “Pássaros em onda” (detalhe) Elizabeth Titton – 2010– aço cortado a laser , oxidado)

(*) Louise M. Berman- Novas prioridades para o currículo. Editora Globo. 1979. 3º edição.

Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *