“Não sei por que, fui indo pelo caminho, enquanto os bambus vibravam aos sopros do crepúsculo.
As sombras obliquas agarravam-se à luz fugidia.
Os pássaros estavam cansados de cantar.
Não sei por que, fui indo pelo caminho”.*
Ao descrever esse sentimento, o autor me leva consigo por caminhos que também não sei por que os sigo. Em meio à correria do dia a dia, às vezes, nos deixamos vagar, ociosos, mente e olhos, pelo universo que nos é próximo e longe dos projetos e buscas habituais. Presenteamo-nos com a imobilidade. Não uma imobilidade de todo o ser; apenas do físico e do indomável pensamento, o algoz que vive a nos arrastar por lugares, onde, muitas vezes, não desejaríamos estar.
Tagore me conduz, também, a um sentimento de final, ao falar da hora do crepúsculo que cria sombras oblíquas. Deve ser um certo banzo do verão que se vai, que começa a crescer em mim. O clima de outono que se inicia se despede do mormaço e do calor que tanto amo e que trouxe consigo os reflexos brilhantes do sol nas folhas e o estardalhaço dos bandos de gralhas e guachos que povoam o meu bosque. Isso me entristece. Talvez os pássaros já estejam mesmo cansados de cantar, afinal… já construíram seus ninhos e criaram suas proles.
A natureza, ela sim conhece seus caminhos e por eles não se perde. Segue lenta e obstinadamente seu destino. Já nós, qual almas penadas, somos levados pelos ventos dos nossos sonhos de poder e de saber em buscas fantasiosas de projetos fugazes. “Não sei por que, fui indo pelo caminho” pergunta o autor. Nossos pés, feitos para caminhar, não aceitam recusa. Exigem seguir em frente, como insetos atraídos pela luz dos nossos sonhos: certamente fugazes como as estações, com seus começos e fins inevitavelmente traçados.
O crepúsculo anuncia momento de pausa, de descanso, momento de entrega. Assim como o outono, ele é um aviso de que também a noite – como o inverno que fatalmente traz o frio e descobre as árvores – nos convida à contemplação, diante do fogo das lareiras, nesse tempo de noites longas e dias curtos. O recolhimento que nos propõe a natureza, e a dúvida do poeta, pode ser pesado ou pode vir a ser fonte de inspiração, de um olhar para dentro. Não o dentro de uma caverna, não o dentro escuro, mas o dentro de possibilidades e possíveis alternativas aos caminhos externos criados por nossos rebeldes e incontroláveis pés.
Assim, recolhidos, talvez possamos contemplar a vibração dos bambus em sua música suave e peculiar feita só “para aqueles que têm ouvidos capazes de ouvir e de entender estrelas” como dizia Bilac. O que nos leva a pensar, também, que é ela, a noite, que nos traz as estrelas, com seu brilho e constelações de risos, que o Pequeno Príncipe nos convida a olhar e ouvir: “Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir…será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montões de guizos que riem”.
E nós, aqui, mesmo sem saber por que, vamos indo pelo caminho, pois ao crepúsculo e à noite, sempre segue o amanhecer.
* O autor de “O Jardineiro”, poema do qual faz parte essa estrofe, Rabindranath Tagore (1861-1941), foi um pintor, compositor e escritor indiano. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura, em 1913.
– Ilustração de abertura: Bambus do Parque Anauá, Colombo-PR. Fotografia de Hay Graphiks
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