Quando penso em flores e amores, me vem à mente a imagem da obra de Chagall (1887-1985). Desde bem cedo estão ali: as flores num canto, sem vaso nem nada, e os amores em seus voos noturnos e abraços extraordinários. As flores, sempre muitas! Em buquês, dentro de vasos, ou não, passeiam pelas telas, livres como os demais personagens: bois, cabras e burros, violinistas, anjos e arlequins. Acho que é dessa des-ordem que gosto tanto!
A obra, “Os amantes com papoulas” (1948-1952), me encantou pela similaridade percebida entre ela e a fotografia do jardim da casa da Lili, tirada ao acaso, num início de noite, como o são, muitas vezes, feitas as lindas fotos, fruto de quem tem o olhar atento às belezas do mundo. Embora sem violinista ou animal no telhado, a cor das dálias, misturadas a outras espécies amarelas, com uma lua crescente no céu azul-hortênsia povoado de nuvens rosa, foi fruto dos últimos raios de sol daquele dia, o que me faz pensar que o pintor russo teria ficado maravilhado com tantas flores e cores se mostrando juntas, num único momento capturado pelo olhar do artista contemporâneo.
A des-ordem que percebo em Chagall, alia-se à des-ordem do tal jardim – desses difíceis de se encontrar nos dias de hoje, quando o costume é plantar em ordem crescente ou decrescente seguindo-se linhas pré-determinadas de arranjos muito duros, com espécies simples e sempre repetidas. Acho que são as da “moda”! Pobres jardins presos, sem alegria e sem amor. Sim! Sem amor, já que o amor precisa mesmo de um pouco de desordem e muita liberdade para florir e deslumbrar.
Os amores em Chagall são sublimes! Um pouco no chão e muito no ar, quase sempre abraçados. Acompanhados por anjos e violinistas, pairam sobre o mundo das lembranças do artista. Com sua noiva, sua bela e amada esposa Bella (1915-1944), que personificava a vila de sua infância, Vitebsk, na Rússia, o artista coloca toda a sua alma numa tarefa de amor. Desde seu retrato “Minha noiva de luvas pretas” (1909), até a sua morte, sempre juntos, ele a retratou, sempre, com muita beleza e sobriedade. Nove meses após sua grande perda, período em que não produziu, Chagall volta a pintar criando a obra “Em torno dela” (1945), a musa, que tinha, para ele, incorporado todas as ricas memórias da sua Rússia e da sua infância, que sempre quis preservar.
Amores e flores sempre conviveram, seja pela alegria das cores, pela delicadeza que representam, ou o perfume inebriante que evoca o tempo do encantamento. Assim são os jardins mágicos criados com amor, na busca das mais encantadoras espécies e aromas, onde o jardineiro que os mistura, deixa o tempo, os pássaros e os insetos terminarem sua obra. Esses últimos, tal qual os amantes voadores de Chagall, fazem parte da des-ordem do jardim encantado, carregando o pólen ou semeando novas cores.
Na arte e no amor, bem como nos jardins – e em Chagall –, a obra só se completa na entrega do criador, que integra, com sua percepção, todos os detalhes que geram o encantamento e que acabam por premiar o fruidor atento.
(Ilustração de abertura: “Noiva e Noivo com a Torre Eiffel”, Marc Chagal, 1928)
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A casa da gente é mesmo onde a gente vive rodeado pelo que nos encanta e nos faz bem! Agradeço seu valioso comentário!
Descobri sua coluna recentemente e estou adorando. Essa do Chagal, de quem sou fã (a ponto de ter reproduções ordinárias espalhadas pela casa) me pegou de jeito.
Parabéns!