Ontem, uma simpática visitante do atelier me perguntou: “Por que você começou a fazer as árvores?”. Apesar dos mais de quarenta anos respondendo a perguntas, dando entrevistas sobre a minha escultura, fiquei sem resposta, no momento. Tive que pensar… A mim, parecia que sempre estiveram lá, mas isso não esclareceria a dúvida da colecionadora. Então contei um pouco sobre o meu percurso, mas a mim não satisfez a resposta. Hoje pela manhã, aqui, diante do computador, resolvi buscar, com mais cuidado, no fundo das minhas lembranças, uma resposta.
Tudo começou na cozinha de casa, quando tinha na janela à minha frente, vários vidros com sementes de abacate – aquelas com os palitos espetados para não afundarem e depois brotarem como muda de abacateiro para serem plantadas. Desde ali, já eram árvores potencialmente grandes.
“Abacate” (gravura em metal, 1977)
Minhas primeiras experiências no exercício da arte foram com gravura e modelagem em argila, já adulta. Na gravura em metal, frequentando o Centro de Criatividade de Curitiba, no atelier do Calderari, foi, pois, um desses abacates no vidro o tema da gravura em metal. Tempos depois, apaixonada pelas lãs, fios e tramas da tecelagem, fiz duas cadeiras tramadas sobre estrutura de metal cromado, com fios cardados, fiados e tingidos por mim, no atelier da Zélia Scholz. Eram grandes folhas verdes sobre um fundo de lã natural em uma urdidura de sisal. Surgiram, também, almofadas tecidas que, por muito tempo, conviveram com minha jovem família.
Já como aluna das Belas Artes, na disciplina de xilogravura, renasce a folha do abacateiro, que foi logo seguida pelo tridimensional, com uma escultura fundida em bronze, medindo uns quarenta centímetros de altura, também ela, uma folha, a partir da técnica da cera perdida. Vivendo uma nova experiência, a primeira obra vendida foi a folha, para a Corretora Omar Camargo. Na sequência, vieram outras e mais outras folhas, com abordagens diferentes e técnicas mais arrojadas.
Relembrando essas vivências artísticas, vejo que o cerne do que viriam a ser as esculturas em chapa de aço, já estava ali, nas folhas. Tempos depois, por encomenda, fiz um painel em alumínio fundido com flores e folhas, esse sim, já sendo um painel, não de chapa, já que era fundido a partir da cera, mas era a mais bidimensional das minhas obras até então.
“Folha” (xilogravura, 1977)
Até esse momento, as obras não eram previamente desenhadas. Surgiam no processo de modelar, exceto, claro, as gravuras. Foi o desenho da logomarca do primeiro atelier para crianças que trouxe a primeira árvore, com frutas e escada, junto à Galeria Cocaco. Logo depois, numa linguagem já influenciada pela pesquisa sobre a arte indígena brasileira, surgiram outras espécies de árvores, saídas também do desenho.
Foi numa homenagem ao primeiro amor de Adriana, que surgiu a primeira escultura de árvore: um bronze, intitulado “Primeiro amor”. Foi na busca por interação entre escultura e a gravura que, naquele momento, falava profundamente da cor e das formas da pintura corporal e mitologia das etnias do Xingu, que nasceram as primeiras árvores em aço cortado a laser, integrando cor, folhas, pássaros e outros elementos da natureza.
Ia quase me esquecendo dos desenhos do papai, árvores africanas que me encantavam e que eu nunca conseguia imitar com razoável qualidade. Concluo, então, que foi do conjunto da minha vida, da natureza, da técnica, da arte indígena e sua mitologia, que surgiram as árvores “IN Natura” e mais tarde as “Muirapiranga” e que foram as minhas lembranças que nos trouxeram até essa resposta à pergunta feita pela colecionadora no meu atelier.
Evolução das árvores: “Primeiro Amor” (bronze, 1988); “Amazônica” (cerâmica policromada, 1989); “Primeiro Amor” (alumínio fundido, 1997); “Árvores do Bosque” (aço policromado, 2007)
Imagem de abertura: Logo do Pró-Criar (desenho, 1989)
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6 Comentários
Excelente texto! Gostei muito. Parabéns!
Muito obrigada Luiz Ernesto! Sua opinião conta!!!!!!
Belo percurso! Aos poucos vc construiu uma linguagem própria fundamentada em tuas vivências. Sempre é muito prazeroso ouvir a construção de um percurso artístico através das palavras da própria artista.
Obrigada, minha cara! Muitas vezes se faz necessário compartilhar esse percurso, pode enriquecer o olhar do observador. Grande abraço.
Como é bom saber de todos os aspectos – digo melhor, do roteiro – da criação de uma obra. Parabéns!!
Muito obrigada Marcos! É maravilhoso receber o retorno e a visão dos nossos leitores, dos não artistas e dos artistas também!