Ontem, durante a missa de sétimo dia da gentil mãe de um amigo querido, em sua homilia, após a leitura do Evangelho de Marcos 8:1-9 e Mateus 15:32-39, contando do milagre da multiplicação dos cinco pães e dois peixes a serem distribuídos entre os seguidores de Cristo que já estavam famintos, o sacerdote comentou que seria como o relatado milagre, se cada um, compartilhasse um pouco do que têm, com os que nada têm e ressaltou a importância da água que nos mantém, a todos, vivos.
Concordo que tal atitude, a de compartilhar, seria um verdadeiro milagre, mas essa é uma conversa para outro dia. Vou me deter nos pães e peixes, que também figuram como importantes temas nas artes produzidas por aqueles que já têm acesso aos pães e, às vezes, aos peixes.
Ichthys, do grego antigo, significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”. A imagem composta por dois semicírculos, um côncavo e um convexo, que justapostos formam um peixe, foi muito usada para a comunicação entre os cristãos antigos, tanto para marcar as catacumbas, como os locais de encontro e outras situações. Muitos artistas representaram Jesus e seus seguidores no momento do milagre da multiplicação: de relevos e vitrais em igrejas até afrescos, desenhos e telas.
O pão, o “Corpo de Cristo que será sacrificado por nós para a remissão dos pecados”, é elemento simbólico essencial à fé cristã. No Sacramento da Comunhão, os fiéis recebem a hóstia sagrada, o pão transformado, durante a consagração, no corpo de Cristo para alimentar e fortalecer a alma do cristão. Na arte, a “A Última Ceia” ou “Santa Ceia” (4,6 x 8,8 m), afresco de Leonardo Da Vinci, obra-prima do artista (1495-1498), que está no convento da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, representa, também, a primeira comunhão entre Jesus e seus apóstolos, ocasião em que Cristo pede que quando se reunirem em seu nome, comunguem do pão e do vinho para celebrar a sua memória.
Nas artes laicas, tanto os peixes quanto os pães são muito representados por diversas linguagens artísticas. O artista holandês Escher, com seus peixes em transformação nos encanta; já o norueguês Tor-Arne Moen, pinta peixes que atravessam suas telas enormes, cruzando as paisagens e cenas que ele descreve com sua arte de grandes pinceladas. Na minha arte, os peixes estão presentes desde a logo do ateliê Pró-Criar, passando pelas coleções “In Natura” e “Muirapiranga”, onde figuram como personagens importantes da natureza, em seu elemento, a água, e também por serem muito presentes na mitologia indígena brasileira. O pão, símbolo máximo do alimento humano, aparece em naturezas mortas e em inúmeras fotografias maravilhosas pela história da arte. Escolhi aqui, para ilustrar esse alimento na arte, a obra do escultor Alfi Vivern, meu contemporâneo, que trabalha com pedra.
A água, por sua vez, mencionada pelo pároco na missa de ontem, é essência e meio. Vital para a existência do pão e dos peixes: sem ela não se amassa o pão e os caminhos dos peixes em direção ao mar, ou dele vindo, não se realizam. Pão e água nutrem o corpo e a alma – há que se compartilhar.
(Imagem de abertura: “O Milagre dos Pães e dos Peixes” (detalhe) – Giovanni Lanfranco (1582-1649) – período barroco)
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