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elizabeth titton

Dos pães e peixes

06/08/2024
pães

Ontem, durante a missa de sétimo dia da gentil mãe de um amigo querido, em sua homilia, após a leitura do Evangelho de Marcos 8:1-9 e Mateus 15:32-39, contando do milagre da multiplicação dos cinco pães e dois peixes a serem distribuídos entre os seguidores de Cristo que já estavam famintos, o sacerdote comentou que seria como o relatado milagre, se cada um, compartilhasse um pouco do que têm, com os que nada têm e ressaltou a importância da água que nos mantém, a todos, vivos.

Concordo que tal atitude, a de compartilhar, seria um verdadeiro milagre, mas essa é uma conversa para outro dia. Vou me deter nos pães e peixes, que também figuram como importantes temas nas artes produzidas por aqueles que já têm acesso aos pães e, às vezes, aos peixes.

”Circus Night”(detalhe) – Tor-Arne Moen – óleo sobre tela (200x350cm) – 2015

Ichthys, do grego antigo, significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”. A imagem composta por dois semicírculos, um côncavo e um convexo, que justapostos formam um peixe, foi muito usada para a comunicação entre os cristãos antigos, tanto para marcar as catacumbas, como os locais de encontro e outras situações. Muitos artistas representaram Jesus e seus seguidores no momento do milagre da multiplicação: de relevos e vitrais em igrejas até afrescos, desenhos e telas.

O pão, o “Corpo de Cristo que será sacrificado por nós para a remissão dos pecados”, é elemento simbólico essencial à fé cristã. No Sacramento da Comunhão, os fiéis recebem a hóstia sagrada, o pão transformado, durante a consagração, no corpo de Cristo para alimentar e fortalecer a alma do cristão. Na arte, a “A Última Ceia” ou “Santa Ceia” (4,6 x 8,8 m), afresco de Leonardo Da Vinci, obra-prima do artista (1495-1498), que está no convento da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, representa, também, a primeira comunhão entre Jesus e seus apóstolos, ocasião em que Cristo pede que quando se reunirem em seu nome, comunguem do pão e do vinho para celebrar a sua memória.

“Peixe” – Elizabeth Titton – escultura em aço cortado a laser – policromado

Nas artes laicas, tanto os peixes quanto os pães são muito representados por diversas linguagens artísticas. O artista holandês Escher, com seus peixes em transformação nos encanta; já o norueguês Tor-Arne Moen, pinta peixes que atravessam suas telas enormes, cruzando as paisagens e cenas que ele descreve com sua arte de grandes pinceladas. Na minha arte, os peixes estão presentes desde a logo do ateliê Pró-Criar, passando pelas coleções “In Natura” e “Muirapiranga”, onde figuram como personagens importantes da natureza, em seu elemento, a água, e também por serem muito presentes na mitologia indígena brasileira. O pão, símbolo máximo do alimento humano, aparece em naturezas mortas e em inúmeras fotografias maravilhosas pela história da arte. Escolhi aqui, para ilustrar esse alimento na arte, a obra do escultor Alfi Vivern, meu contemporâneo, que trabalha com pedra.

A água, por sua vez, mencionada pelo pároco na missa de ontem, é essência e meio. Vital para a existência do pão e dos peixes: sem ela não se amassa o pão e os caminhos dos peixes em direção ao mar, ou dele vindo, não se realizam. Pão e água nutrem o corpo e a alma – há que se compartilhar.

“Pão” – Alfi Vivern – escultura em pedra – foto João Urban

(Imagem de abertura: “O Milagre dos Pães e dos Peixes” (detalhe) – Giovanni Lanfranco (1582-1649) – período barroco)

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