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02/05/2024



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Inspiração

 Inspiração

Dizem que Shakespeare falou que o artista revela a obra e a obra revela o artista. Tenha sido ele, ou não, considero uma verdade. Ao criar uma obra, que vem do mais íntimo do seu ser, muitas vezes do seu inconsciente, em sua obra, o autor revela elementos de sua própria vida, de experiências que ficaram gravadas, quer pela observação ou por vivências ou percepções, muitas vezes alheias à sua própria compreensão ou conhecimento.

 

Minhas primeiras experiências de expressão artística, além das palavras, foram por meio do desenho – afinal, lápis e papel são os materiais mais frequentemente disponíveis. Foi, no entanto, a argila que revelou, como mágica, uma capacidade que só minhas mãos conheciam. Ao começar a modelar, com uma determinada intenção, minhas mãos como que se rebelavam contra o controle do cérebro. Era como se tivessem vontade própria. A forma ia me levando por caminhos próprios, que me surpreendiam por serem melhores, mais ricos e interessantes do que o projeto inicial. Fui aprendendo a me deixar levar por elas. Fui me conhecendo por meio de minhas criações.

 

Na sequência do trabalho, escolhas são feitas por um outro caminho e passam a ser guiadas, em grande parte, por questões técnicas em seu processo de realização. Mas mesmo aí, acredito que a razão que leva o criador a optar por uma cor, um pincel, um material para esculpir – seja pedra, madeira ou metal, entre tantos outros – pode lhe ser estranha, a princípio. Lembro aqui, a minha contemporânea e colega de turma na Escola de Belas Artes, Laura Miranda, que optou pelo vidro, tendo criado séries de peças longas, como se fossem bolhas de sabão gigantes, escorridas. Encantamento total. Fico imaginando o que a teria levado a trilhar aquele rico caminho da leveza, da transparência, e por que não, da impermanência, intrínseca à fragilidade do material.

 

A partir de um certo tempo de trabalho, as escolhas vão ficando mais determinadas pelo próprio conjunto da obra. As formas de expressão escolhidas vão mostrando caminhos a serem seguidos, como que exigindo uma certa continuidade, sua complementação e até sua conclusão. Parece incrível esse poder que a obra tem sobre seu autor. Ainda no percurso da vida, muitas das escolhas vêm pressionadas por condições externas aos processos interiores de criação, como o tempo disponível, as condições de espaço físico para trabalhar, condições financeiras, até as oportunidades de mostrar sua produção e compartilhar suas criações, pois quando o artista expõe sua obra, interagindo com o espectador, uma outra alquimia se dá. Novamente, independentemente da vontade de seu autor e, enriquecendo a obra com seu próprio olhar interessado, ou indagador, o outro traz a riqueza de suas próprias vivências, sonhos e compreensões, muito além daquelas previstas pelo artista em todo seu processo de criação.

 

Aquarela de Carlos Emiliano de França. Retrata obra “Palmeira”, de Elizabeth Titton (MON-2014)

 

Maurice Merleau-Ponty diz que uma obra se completa, quando outra é criada a partir dela, o que nos leva a crer na contínua evolução do processo criativo e, voltando ao início, percebemos que a interação obra-artista é muito mais ampla do que se imagina e a inspiração muito menos particular do que o criador possa supor.

 

Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.

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