Em Altamira, em Lascaux, no Parque Nacional da Capivara e em outros tantos locais onde foram encontrados desenhos nas rochas – manifestações dos homens pré-históricos – estão registradas as lutas entre homem e animal pela alimentação. Caçar para comer significava sobreviver: ou ele caçava ou era caçado. Não tinha outra opção. O mais interessante é notar que o homem sempre quis desenhar, marcar, descrever, contar sua história, talvez para reviver esses fatos. Ao fazer isso, foi deixando um legado de informação e de beleza para as populações e povos que viriam depois. Era a “Natureza Viva”, a arte que falava do alimento enquanto ele ainda estava de pé, correndo, enquanto ainda era animal e não comida.
Alimentar-se, essa necessidade básica dos seres vivos, nunca deixou de existir, embora hoje já não dependamos da caça para tal. Nem tão divertido, nem tão perigoso, há muito tempo aprendemos a firmar raízes num mesmo local, plantando e a criando animais para o próprio consumo. Ao mesmo tempo, nossas maneiras de registar e contar as histórias da vida cotidiana foi mudando. Alguns, como Van Gogh, registraram a comida do povo (Os comedores de batata), enquanto a maioria dos registros seria daqueles artistas contratados pelos poderosos para descrever suas próprias formas de alimentação. Com o passar do tempo, esses registros passaram a ser o que denominamos de arte, a comida como “motivo” para expressar a riqueza e a própria estética em si.
Sendo essa arte um terreno muito vasto, é bem difícil escolher quatro ilustrações para colocar aqui, bem como quais artistas mencionar, mas vou me arriscar começando por uma das obras mais icônicas quando se fala da representação do alimento na arte: é a obra de Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) nascido e falecido em Milão, de família importante em sua época, considerado um pintor maneirista. Além do retrato exótico do imperador Rudolf II, denominado “Vertumnus”, obra composta de verduras, flores e frutas que compunham o retrato do imperador, criou várias versões das quatro estações (1563) na mesma linha, utilizando elementos da natureza para criar os “rostos” das estações, obra que o artista ofereceu a Maximiliano II, Sacro Imperador Romano da Áustria, de cuja corte era o pintor oficial.
Contrapondo-se ao que denominei “Natureza Viva”, a “Natureza Morta” é um gênero de pintura que atravessou séculos e tem sido motivo das mais diversas linguagens artísticas nos pincéis e prensas dos artistas. Existem os mais contemporâneos, que desenham usando a própria comida e depois a fotografam. Yayoi Kusama, por sua vez, com suas bolinhas cria, tanto no bi como no tridimensional, “abóboras dançantes”, que puderam ser vistas no Jardim Botânico de Nova York. Há também as famosas bananas gigantes do pintor, desenhista e gravador brasileiro, Antonio Henrique Amaral (1935-2015), que no período da Pop Art invadiram a cena artística brasileira.
Dentre as mais famosas naturezas mortas estão as de Paul Cézanne, considerado o pai da arte moderna, com seus pêssegos sobre mesas de toalhas brancas e as do surrealista belga, René Magritte, com as maçãs gigante e a obra “Filho do Homem”. Daquelas naturezas compostas de elementos de caça, com seus coelhos e aves, gosto muito da obra do português Baltazar Gomes Figueira (1604-1674) “Natureza morta com cordeiro e peças de caça” (1645 e 1655), que se encontra no Museu de Évora, em Portugal, obra essa que reputo ser extremamente contemporânea. Não poderia deixar de citar Celso Coppio, cuja natureza morta de grandes proporções encantava os convidados da nossa família à sala de jantar, obra que foi adquirida na galeria da querida Nini Barontini, que tanto fez pela divulgação da arte paranaense em nossa cidade.
A expressão humana por meio das artes é tão rica, que as “naturezas”, não importa se vivas ou mortas, com originalidade, criatividade e técnicas extremamente desenvolvidas, a cada período são o homem falando de sua própria época, ou mesmo adiante dela, querendo sempre deixar o seu legado registrado para a história.
(Imagem de abertura: Pinturas nas cavernas de Lascaux -Montignac, Dordogne – França)
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