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TITTON-CABECA-COLUNA

O beijo

28/01/2025

Olhos fechados, o coração disparado, a expectativa da proximidade e a estranheza do outro, até o leve toque dos lábios. A curiosidade, a emoção compartilhada, a intimidade do calor da respiração próxima, a dúvida da entrega ou da fuga, momento em que o mundo desaparece e só existe aquele estado, impermanente, das experiências raras das primeiras vezes, assim como quando se ouve uma música que encanta, pela primeira vez. Momento sagrado que não mais se repete, não importa quão bela seja a música ou quão mágico seja o toque sensível das bocas que se encontram.

Não é à toa que, de tantas maneiras, se tenta eternizar esse momento. Na direção de Giuseppe Tornatore, música de Ennio e Andrea Morriconi, Toto (já adulto), o personagem menino do filme “Cinema Paradiso”, recebe, após a morte de seu amigo Alfredo, as tiras cortadas dos rolos de filmes que tanto quis quando pequeno: os cortes censurados de todos os filmes que assistira, na sala de projeção, e que nada mais eram que suas cenas de beijos.

“V-J Day in Times Square”- Alfred Eisenstaedt – 1945

São tantos e diferentes os beijos! Existem os paternos os maternos, os fraternos, os respeitosos, os apaixonados, os loucos e os… simplesmente beijos. A fotografia de Alfred Eisenstaedt, em de 14 de agosto de 1945, eternizou o final da segunda guerra mundial com o beijo flagrado entre o marinheiro e a enfermeira na Times Square, em Nova Iorque. Beijo que mais tarde “deu pano pra manga”, pois aconteceu entre George Mendonsa e Greta Friedman, que nunca haviam se visto antes e, por não ter sido consensual, quase foi “tirado do mapa”. A foto do famoso beijo aconteceu por ocasião da rendição do Japão e foi chamada de “V-J Day in Times Square”, em comemoração ao dia da vitória, quando a enfermeira de uma clínica odontológica saiu à rua para ver a movimentação da comemoração, ocasião em que foi agarrada e beijada pelo marinheiro.

Continuando com os beijos polêmicos, vamos relembrar a campanha da Benetton, com o beijo entre o padre e a freira. A foto, de Oliviero Toscani, para a marca de roupa italiana, gera indignação nos anos 90. Mais recentemente, a grife lança, na Itália, a campanha “Beijos Impossíveis”, como parte da iniciativa da Fundação “Unhate”, traduzido como “deixe de odiar”, com foto-montagens de beijos entre presidentes de países vistos como inimigos, com a intenção de chamar a atenção para um olhar mais tolerante.

 

"Padre e Freira" - Oliviero Toscani - 1991 - para United Colors of Benetton.
“Padre e Freira” – Oliviero Toscani – 1991 – para United Colors of Benetton.

Nas artes plásticas são incontáveis os beijos mais ou menos polêmicos, cada um em sua época. “O Beijo” de Rodin (Mármore 1888-1889), a pintura em ouro e platina de Klimt (1907-1908),a pintura de Marc Chagall, com seus amantes voadores na obra “O Aniversário” (1915) , o clássico beijo de Brancusi, escultor romeno/francês (1876-1957), na escultura em pedra de Marne (tão diferente de Rodin), Toulouse-Lautrec (1864-1901), com suas cores suaves e movimentadas linhas, são apenas algumas das obras primas que falam desse encontro entre o homem e a mulher, no olhar do artista que as cria segundo seu olhar e sua própria linguagem.

Jean-Léon Gérôme produziu algumas versões da sua obra Pigmalião e Galatéia (1890), baseadas na mitologia grega, conto recontado nas “Metamorfoses” de Ovídio, quando, um rei da ilha de Chipre, também escultor, se apaixona por sua criação, esculpida por ele na busca da mulher ideal e transformada em mulher de carne e osso pela Deusa Afrodite. Modernamente, o dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw (1856-1950), Prêmio Nobel de Literatura, escreveu a peça Pigmalião (1913), que depois foi transformada no musical “My Fair Lady”(1956), com letra de Alan Jay Lerner e música de Frederick Loewe. Recebeu o Prêmio Tony de melhor musical e o Oscar, quando transformado em filme (1964), na direção de George Cukor, numa versão em que o professor Higgins se empenha em transformar a pobre vendedora de flores londrina, Eliza, em mulher educada da alta sociedade. Durante o processo, acaba se apaixonando por ela, sua criação.

 

"Pigmalião e Galatéia" - Jean-Léon Gérôme - (1824-1904) - Museu Metropolitano deArte - Nova Iorque.
“Pigmalião e Galatéia” – Jean-Léon Gérôme – (1824-1904) – Museu Metropolitano deArte – Nova Iorque.

Seja no encantamento do primeiro beijo, ou nos outros tantos que acontecem na vida de cada um de nós, a arte, em suas tantas ricas formas, se encarrega de eternizar momentos tão passageiros em obras eternas que não nos deixam esquecer a magia do beijo.

(Ilustração de abertura: “O Beijo” –  Rodin – 1881-1882 – mármore – Museu Rodin- Paris; “O Beijo”-  Constantin Brancusi – 1908 – 58x34x25,4cm – Museu de Arte da Filadélfia.)

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1 comentário em “O beijo”

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