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O corpo na arte

05/11/2024
corpo

Poucos temas foram tão explorados na arte como o corpo humano. Seja para cantar sua beleza, falar de suas sensações, formato, aparência, ou para falar do ser que habita esse corpo e de como esse ser o carrega. Quando ao acordar, pela manhã, tomamos consciência desse invólucro que nos leva pelos dias, autorizando que exerçamos as nossas vontades com relação aos afazeres a que nos propomos diariamente, desde os mais frugais até aqueles dias mais especiais, como o dia em que fomos gerados, no momento em que começamos, lentamente, a construir esse corpo ou quando morremos e o abandonamos definitivamente.

"Sob o olhar de Hermes, carregam o corpo de Sarpédon". Ilíada. XVI.
“Sob o olhar de Hermes, carregam o corpo de Sarpédon”. Ilíada. XVI.

No cinema, em 1972, Woody Allen no filme “Tudo que você gostaria de saber sobre o sexo e nunca perguntou”, faz uma paródia de um momento do ato sexual que precede a viagem dos espermatozoides em busca do óvulo. Outros documentários, magníficos, mostram a vida intrauterina, onde o corpo vai se formando a partir de um óvulo fecundado e acaba se transformando em um bebê. Seja por meio da imaginação, fantasia, ou da realidade, a arte busca compreender o mistério do surgimento do corpo. A magia que faz, do encontro de dois corpos, surgir um terceiro. Pode, no entanto, ser ao mesmo tempo o ato sagrado de gerar uma nova vida ou um mero acidente de percurso na busca do prazer.

Mesmo os Deuses, nós os criamos à nossa imagem e semelhança, com seus corpos e poderes de atributos raros, tanto na beleza quanto na força, para depois os cantamos, em prosa e verso, relatando suas aventuras, como na mitologia grega. Tal como Homero o fez em “A Ilíada”, poema épico da Grécia antiga que narra o ocorrido no décimo ano da Guerra de Troia (século VIII a.C.), guerra gerada pela paixão entre Páris e a bela Helena, que fugiram juntos para Troia, ou nas aventuras de Ulisses, em sua volta após essa Guerra, vivendo outros dez anos de aventuras e lutas por sua sobrevivência na obra “Odisseia”, outro poema atribuído a Homero. Mais contemporaneamente, os Super Heróis dos quadrinhos e da televisão, ou os jogos eletrônicos que brincam com a vida e a morte – como se os corpos nada fossem – dão continuidade à nossa necessidade de lidar com conflitos causados pelos sentimentos que invadem os nossos corpos.

"Lição de Anatomia de Dr.Tulp"- Rembrandt-1632- óleo sobre tela (169,5x216,5) - Mauritshuis, A Haia, Países Baixos. Wilipédia.
“Lição de Anatomia de Dr.Tulp”- Rembrandt-1632- óleo sobre tela (169,5×216,5) – Mauritshuis, A Haia, Países Baixos. Wilipédia.

A dualidade que existe entre o corpo carnal e a alma que o habita é fonte de eterno conflito. Os preceitos que regem as sociedades mudam mais rapidamente que as formas do nosso corpo, o que gera uma busca constante por ajuste, ou adaptação. A beleza é uma necessidade, uma busca constante do espírito humano. Essa busca pode ser observada nos registros que os museus conservam. Rebeldes, os corpos não cedem facilmente aos desejos do ser, mas o ser, esse espírito controlador, não desiste de seu intento de ser belo, ou de tornar os outros belos a seus olhos, haja vista os tantos tormentos a que são submetidas, geralmente, as mulheres. Desde os pés amarrados para não crescer, na China, aos longos pescoços criados pela adição de argolas que os sustentam, na África, só para citar alguns exemplos. O homem sempre quis adaptar o seu “por fora” ao seu “por dentro”. Quis também descobrir como funciona essa máquina poderosa e resistente que é o corpo humano.

Na pintura de Rembrandt, “Lição de Anatomia do Dr.Tulp”, (óleo sobre tela 169,5×216,5), de 1632, fica evidente a curiosidade do ser em aprender sobre seu corpo. Já Boticelli (1445-1510), teria retratado a anatomia do coração humano na obra “A Madona da Romã” (1487), quando a fruta segurada pelo Menino Jesus, no colo de Nossa Senhora, apresenta semelhanças anatômicas com o órgão humano. Na contemporaneidade, desde a “Body Art”, dos anos 60, que usa o corpo como meio de expressar arte, passando pelas obras realistas de Ron Mueck, artista australiano, nascido em 1958, que trabalhando com resina, fibra de vidro e acrílico, cria representações hiper realistas, em obras escultóricas, gigantes em sua maioria, retratando o corpo humano, em suas várias idades, desde o recém-nascido até seu pai morto “Dead Dad” (1996). Esta foi justamente sua primeira obra apresentada. Já Francis Bacon, nascido na Irlanda, (1909-1992), em seu “erotismo visceral”, com imagens cruas quer mostrar a brutalidade dos fatos. Para tal, retratou muitas personalidades e figuras humanas distorcidas. Não poderia deixar de citar aqui o Parque Vigeland, em Oslo, na Noruega, onde 212 esculturas monumentais, em bronze e granito, de autoria do norueguês Gustavo Vigeland (1869-1943), nos contam sobre a vida, por meio das fases e transformações do corpo.

"Homem em um Barco "- Ron Mueck - 2002- Corpo nú em uma embarcação suspensa.
“Homem em um Barco “- Ron Mueck – 2002- Corpo nú em uma embarcação suspensa.

O corpo é um assunto que interessa ao homem, desde sempre, muitas vezes tornando-o assustador aos olhos do outro, seja com pinturas corporais e uso de máscaras para a sua proteção, ou colocando chifres ou tatuagens definitivas para representar a sua individualidade, ou mesmo na moda, onde encontra maneiras de se colocar em seu próprio tempo. Apresenta-se ao mundo como ser único, dono e senhor da própria transformação, seja ela interna ou externa, nem sempre conseguindo o equilíbrio entre o dentro e o fora de cada um desses invólucros.

(Ilustração de abertura: “Parque Vigeland” (Obelisco) – Gustav Vigeland – Oslo- Noruega)

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1 Comentário

  • Num momento de tanta banalidade no sua da imagem do corpo, uma viagem que nos leva à reflexão. Beijos, Katia

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