Arquitetos e patronos dos templos religiosos, locais de oração, encontraram nos vitrais – janelas ou aberturas de vidro colorido que transformam a luz externa em formas e assuntos diversos –, uma forma de decorar e de contar as histórias dos personagens importantes de cada fé e de trazer um brilho especial, quase divino, para dentro dos espaços sagrados, de forma a levar os fiéis à meditação e ao recolhimento.
Variados nos temas e nas técnicas, os vitrais são criados com desenhos, desde os mais figurativos, com muitos detalhes de cor, até os mais abstratos ou geométricos, de acordo com a época em que foram idealizados e dependendo de por quem foram criados e executados. Grandes artistas como Matisse, dentre tantos, foram responsáveis por obras representativas nessa arte. Da mesma forma, dedicados fabricantes se especializaram em produzir vitrais para as diferentes instituições pelo mundo.
Em Chartres, na França, os Ateliers Lorin, fundados por Nicolas Lorin, desde 1864 até 1966, numa produção que se pode dizer de uma dinastia, reinaram nessa área com muito sucesso. Hoje, continuam existindo e produzindo com a mesma qualidade, com nova gestão, tendo seus produtos espalhados por todos os continentes do mundo. Em seu espaço original de produção, onde ainda funcionam, existe um pequeno museu. Nele são guardadas e expostas diversas obras, bem como os elementos de que eram e ainda são compostos os vitrais. Entre eles, vidros que, atualmente, não podem mais ser produzidos, devido ao fato de determinadas cores serem proibidas, por terem como elementos constitutivos, importantes óxidos venenosos. Também o chumbo, tradicionalmente usado para ligar as diferentes cores e recortes de vidros, não é mais usado pelo mesmo motivo.
Patrimônio mundial da UNESCO a Catedral de Chartres, um dos principais exemplos da arquitetura gótica francesa, guarda, como relíquia, o suposto véu de Nossa Senhora. Seus 176 vitrais falam de diferentes momentos da fé católica, desde o velho até o novo testamento, sendo que sua manutenção é de responsabilidade dos Ateliers Lorin.
Na Capela do Rosário, em Vence, também na França, estão os vitrais de Henri Matisse, numa linguagem muito própria do artista, que permite observar uma tremenda riqueza não só nas cores e em seus tradicionais recortes, mas também nos desenhos sobre azulejos que compõe o espaço bem como como as vestimentas usadas nos rituais sacros, lindamente criados pelo artista. Comenta-se que Matisse considerou ser essa a sua obra-prima. Utilizou as cores azul, verde e amarelo, fazendo menção à natureza, na beleza das plantas e dos céus, tendo escolhido o amarelo para representar o sol. Os azuis e verdes, em vidros translúcidos, contrastam com o amarelo que é fosco, intencionalmente escolhido pelo artista, por acreditar ser Deus o brilho máximo e não poder ser observado pelos homens, os mortais, em seu brilho total.
Marc Chagal, por sua vez, foi convidado a criar doze maravilhosos vitrais em Israel, para a sinagoga inaugurada, em 1963, por ocasião da Celebração de Ouro do Hospital Hadassah. Esses vitrais foram idealizados e produzidos, cada um com cores básicas diferentes entre si: azuis, vermelhos vivos, verdes e amarelos, sendo que retratam as doze tribos de Israel do Livro do Genesis.
Existem maravilhosos vitrais pelas igrejas e catedrais do mundo, mas aqui tenho que fazer escolhas, por isso terminamos falando de Loire Nissen, vitalista de Curitiba. Ilustramos a nossa coluna com alguns de seus vitrais da Capela da Divina Providência do Lar Mãe Maria (orfanato católico das irmãs Beneditinas), criados por Loire, no projeto arquitetônico de Tobias Bonk Machado. Para os curiosos, que a quiserem visitar, fica à Avenida dos Bosques, 2.300,no Bairro Borda do Campo, em São José dos Pinhais /PR. Foi também responsável pela obra de restauração do vitral da Escola D. Pedro II (onde estudou quando pequena), com o apoio de Rosangela Bernek, ocasião em que houve orientação das crianças sobe a importância da preservação dos bens culturais. Loire, desde cedo, morando vizinha de uma fábrica de bolas de Natal, encantou-se com o vidro incandescente, tendo, mais tarde, já formada pela Escola de Belas Artes do Paraná, tido a oportunidade de se especializar fora do país, na Alemanha, com o vitralista Osmar Horstmann.
A luz é a alma e a razão de ser dos vitrais. O brilho que perpassa os vidros, ampliando e disseminando suas cores, geram experiências muito ricas em espaços geralmente dedicados à introversão e à religiosidade. A arte, nesse caso, a serviço da oração e da espiritualidade, vai muito além da estética, iluminando, seja qual for a fé dos que têm a felicidade de usufruir desses espaços. Essas importantes criações em vidro, têm, através dos tempos até nossos dias, deixado transparecer a centelha divina que brilha em cada um de nós.
(Ilustração de abertura: Vitrais da Capela Mãe Maria – Vitralista Loire Nissen – Orfanato de Irmãs Beneditinas – São José dos Pinhais PR.)
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Vitrais são mesmo encantadores. Conheço a Loire Nissen, mas não a história por trás da sua inspiração.