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Outros tempos

22/01/2024

Ontem, folheando o livro “Memória Sion” – lançado em 2006, a título de comemoração dos 100 anos do colégio em Curitiba – encontrei uma crônica que escrevi para essa publicação e que vou compartilhar aqui com vocês. Não fala de arte, mas nos textos escritos por outras alunas, fica clara a importância dada, pelo colégio, à arte naqueles tempos de fé, ousadia e glamour.

 

No livro, as crônicas são numerados e seguem a ordem, por décadas, começando em 1910. Nas páginas iniciais é apresentado o Hino do colégio e o texto “Violetas de Sion”, de Guilherme de Almeida, em homenagem à sua noiva normalista, que se formava. Violeta era a flor símbolo de Sion e, dentre os vários rituais e símbolos presentes na vida das alunas, um dos principais eram o cinto e a “cruz” que, parte do uniforme, mudavam de cor a cada ano, começando com rosa no jardim de infância, até o violeta, o último ano do curso Normal.

 

No texto 39, Julieta Reis, entre outras lembranças, cita o espetáculo “Criação”, lembrado por nós como “Plano do amor divino”, produzido por Philomena Gebran. Foi um espetáculo inesquecível, extremamente contemporâneo, com jograis, iluminação, guarda-roupa ousados que nos marcou profundamente! O coral dirigido pelo Maestro Mário Garau fazia bela figura nas apresentações. Tivemos um concurso de apresentação de piano, quando as “pianistas” se apresentaram atrás de uma cortina e os jurados (dentre os quais a pianista e aluna Maria Leonor de Oliveira Mello) votavam ao final das apresentações. Lembro que a maravilhosa Denise Araújo ganhou o primeiro prêmio, eu o segundo, com um Noturno de Chopin, que devido ao nervosismo, comecei pela segunda parte. Como prêmio, recebi a partitura de “Suave é a noite” trilha sonora do filme de enorme sucesso! (baseado em “Tender is the Night”, de Scott Fitzgerald, de 1962). Essas foram algumas das experiências artísticas vividas na época, dentre tantas outras como concurso de declamação de poesias, quando decoramos “Navio Negreiro” de Castro Alves, escrito em 1868, composto de seis partes, com um total de 34 estrofes…coisas de antigamente!

 

Também desse tempo são as minhas lembranças de um acontecido, que transcrevo aqui, extraído de meu texto (número 30) no livro “Memórias Sion”.

 

Outros tempos.

Eram outros tempos

Tempos com tempo

Tempos de ingenuidade e fé

Tempos em que se fazia sacrifício.

Sacrifício que valia uma palhinha a ser colocada no berço do menino Jesus na manjedoura.

 

“Faça, minha filha, um sacrifício por amor de Jesus, estude mais um pouco, ponha mais uma palhinha para o menino Jesus”. Nossos esforços tornavam o berço do menino Jesus mais macio! Eram definitivamente outros tempos.

 

Lembro-me de uma vez que, a fim de alcançar a santidade, ou apenas para sermos melhores, fomos à gruta de Nossa Senhora, que ficava entre o refeitório e o pátio interno do colégio – onde as meninas que sabiam patinar faziam seus malabarismos e incríveis piruetas – e enchemos os sapatos de verniz do uniforme de gala de pedrinhas brancas para, assim, passar o resto do dia andando sobre as pedras! Cuidamos para não pisar nas “graminhas brancas” da Mère Martha Maria – pessoa que eu tanto admirava, esperando ansiosa crescer para ser uma de suas “violetas”.

 

Andamos, minha irmã, eu e mais uma amiga, cujo nome agora não me recordo, a tarde toda com os sapatos cheios de pedrinhas, até que fomos surpreendidas pelo papai, já em sua sala no Banco da América, onde costumávamos esperar por ele para ir tomar “frapée” de coco na Shaffer, quando não, quadradinhos de pão de forma com queijo derretido no Café Alvorada, antes de irmos para a aula de inglês na casa da Miss Sophie (Weltz). Intrigado com o “croc-croc” que se ouvia ao caminharmos, ele perguntou: “Que barulho é esse?” ao que respondemos não ser nada. Mas não teve jeito! Nosso sacrifício foi interrompido em benefício dos sapatos (da “Joclena”) “Vocês não precisam fazer isso! Vão estragar os sapatos!…”

 

Ao contar essa passagem, alguém me perguntou se era masoquismo, ou autoflagelo. Pega de surpresa, pensei um pouco e concluí que era coragem, vontade de conseguir, de se superar.

 

Eram outros tempos! Tempos anteriores à “Lei de Gerson”. Antes da internet.

 

Aqueles eram tempos em que as formandas eram coroadas com uma delicada coroa de flores douradas. Existia o hino da coroação, que até hoje muitas de nós ainda lembram. Eram tempos de arte, beleza, e como comentou, ontem, a vendedora de uma loja no shopping, “eram tempos de glamour!”

 

(Ilustração: Capa do livro Memórias Sion – de Cláudio Pastro (1948-2016))

 

Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.

4 comentários em “Outros tempos”

  1. Mariu G. Marchiorato Franca

    Lindas lembranças de uma época de ouro que vivi neste no Colégio Nossa Senhora de Sion ! 🙏
    Com certeza essa época jamais será esquecida , somente quem frequentou o Colégio sabe o valor que conservamos em nossos corações! ❤️❤️❤️❤️❤️

    1. Elizabeth Bastos Dias Titton

      Verdade Mariu, foi um privilégio ter vivido as experiências que o Sion nos proporcionou. Agradeço seu comentário!

  2. maria cecilia de oliveira mello duboc

    👏👏👏👏👏👏👏👏
    Gostei muito!
    Me remeteu à aqueles tempos glamourosos!!!

    1. Elizabeth Bastos Dias Titton

      Muito obrigada pelo comentário, foram além de glamourosos tempos que forjaram vidas! Beijos.

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