Volto a esse tema a pedido de minha filha, Louise, que estudou violino, fez ballet, escultura e gravura, entre outras atividades artísticas, em sua infância e adolescência. O tema lhe ocorreu não por trabalhar com arte, mas por ser empresária. Ela sente muita dificuldade de encontrar funcionários criativos, que saibam perceber sutilezas, gerar oportunidades, enxergar seu entorno com clareza e preocupados em serem melhores e criarem um ambiente melhor. Fui, então, buscar embasamento para justificar a importância de vivenciar processos criativos para que o ser humano se torne mais rico e aberto para um novo universo.
Ser criativo é fazer diferente, a partir de um olhar inédito para o mundo, de pontos de vista incomuns. No nosso tempo, quando teremos que competir, de alguma maneira, com a inteligência artificial, esse ser criativo é muito desejado e muito necessário. Porém, a vivência das nossas crianças, muito ligadas ao celular e ao computador, deixa pouco espaço para a experimentação e o desenvolvimento de aprendizados que ajudem a formar esse ser.
A escola está focada em apresentar o conhecimento, o que é muito bom, mas que não basta! É preciso saber o que fazer com esse conhecimento. O que não se encontra, normalmente, na educação formal é o espaço para uma busca rotineira do novo, de encontrar maneiras originais de se romper com o “saber”. Mesmo nas escolas que tem aulas de arte, os alunos são solicitados a fazer “releituras” de grandes artistas, que é uma forma de conhecer esses artistas, mas muito pouco tem a ver com a criação de sua própria arte.
De que maneira podemos levar a criança a desenvolver seu potencial de modo a viver um dia-a-dia rico? Uma orquestra, por exemplo. Nossas escolas não têm orquestras ou bandas. Qual a importância de participar de uma orquestra? Primeiro, se aprende uma nova linguagem, a linguagem musical, com suas notas e tantos outros símbolos. Aprende-se a conhecer e a dominar a técnica de tocar um instrumento. Passa-se a fazer parte de um conjunto que, para ter sucesso, precisa ser um todo formado de unidades. Para tocar um instrumento, é necessário ler a partitura, tocar junto com os outros, ao mesmo tempo percebendo a orientação do maestro. Aprende-se a virar a página da partitura para o companheiro de naipe, preferencialmente, sem derrubar a estante. Ouvir o conjunto e tantas outras habilidades são construídas numa orquestra! O membro de uma orquestra é chamado a se reinventar.
A dança, da mesma forma, exige inúmeras qualidades a serem desenvolvidas que vão além do conhecimento adquirido no estudo das disciplinas habituais. O uso do corpo, as linguagens da coreografia, entre outras tantas. Poderia ficar enumerando aqui várias atividades que desenvolvem o ser, mas gostaria de dizer que não basta ser criativo, como disse no início desse texto. É preciso persistência, objetivo, paciência, autoconhecimento, autocontrole, coragem, respeito aos outros para ser uma pessoa única, apta a contribuir.
Qual seria a finalidade de tudo isso? Criar um profissional mais competente? Eu diria que não só. A ideia é proporcionar oportunidades para que a pessoa possa desenvolver, ao máximo, o seu potencial, a fim de ser um membro importante para a sua comunidade, seja ela doméstica ou de trabalho, seja no mundo em geral. Essa pessoa não precisa ser, necessariamente, um expoente no que quer que faça. Mas que faça bem, que viva bem, que construa e seja uma parte feliz de uma comunidade mais igualitária, onde todos possam viver melhor.
(Ilustração: croquis de autoria desta colunista. Ensaio da Orquestra Juvenil da UFPR. 1981)
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4 Comentários
Agradeço a contribuição!
Excelente reflexão! Concordo !
Muito obrigada!
Reafirmo a necessidade desse Componente Curricular ser desenvolvido e praticado nas escolas, porém por pouco não foi extinto.
É extremamente importante o desenvolvimento criativo já no início da aprendizagem, não só na expressão plástica ,como corporal , teatral e musical.
Percebe-se o diferencial na formação de um ser, que praticou e desenvolveu habilidades diferenciadas e sensitivas.