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25/04/2024



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Quando o corpo transpira arte!

 Quando o corpo transpira arte!

O entorno, em que vivem nossos indígenas, fica gravado em sua pele por meio da pintura corporal. Os seres – animais, plantas, minerais – que compartilham do dia-a-dia e da subsistência desses povos que, originalmente, vivem aqui, nessa terra que passamos a chamar de Brasil, são parte integrante de suas vidas, eventos e mitos. Seus adornos, suas comemorações, entre outras a festa da jaguatirica, o ritual do fim do luto denominado kuarup, compõe parte de sua riquíssima cultura! A pintura corporal, os cocares, colares e pulseiras são vida, não apenas a sua representação. Para ilustrar essa afirmação, segue aqui um dos muitos mitos coletados e transcritos pelos irmãos Villas Boas na obra “XINGU os índios, seus mitos” ( Zahar Editores, 1979).

 

MAVUTSINIM: O primeiro homem (Kamaiurá)

 

No começo só havia Mavutsinim. Ninguém vivia com ele. Não tinha mulher. Não tinha filho, nenhum parente ele tinha. Era só.

 

Um dia ele fez uma concha virar mulher e casou com ela. Quando o filho nasceu, perguntou para a esposa:

 

– É homem ou mulher?

 

– É homem.

 

– Vou levar ele comigo.

 

E foi embora. A mãe do menino chorou e voltou para a aldeia dela, a lagoa, onde virou concha outra vez.

 

– Nós – dizem os índios – somos netos do filho de Mavutsinim.

 

Nesse mito, os Kamaiurá, etnia do Alto Xingu, contam como sua entidade máxima, Mavutsinim (nome Kamaiurá), criou o homem. Diferentemente da nossa cultura, há uma contínua integração entre os seres e seu habitat. Podemos observar isso no personagem da concha, que vira mulher e depois volta a ser concha, e a aldeia de origem dela, que é a lagoa de onde ela sai e depois retorna. Assim acontece sempre, o indígena pode ser em alguns momentos planta, ou animal, ou virar estrela. Essa contínua transformação nos permite perceber a visão holística dessas culturas.

 

Na data de 19 de abril, quando comemoramos o “dia dos Povos Indígenas”, poderíamos aprender uma ou duas coisas com eles. Essa característica que citei acima, muito me encanta e deu origem à série de litogravuras denominadas “da mitologia do Xingu” e “pintura corporal” nos anos 80, período em que eu buscava uma linguagem de influência menos europeia para os meus trabalhos. Até hoje, as esculturas guardam traços da beleza de formas que transbordam da riqueza dos povos e entes da selva para a materialidade das minhas esculturas. A obra “Amazônica”, da coleção Muirapiranga, com suas folhas/penas no topo, tem seu corpo coberto por um rendado do desenho da pintura corporal dos povos Xinguanos.

 

Há alguns anos, tive a oportunidade de conhecer um chefe de etnia Kamaiurá do Alto Xingu e, muito receosa, apresentei um livro com imagens das minhas esculturas influenciadas por sua própria cultura. Não sabia o que esperar da reação dele. Qual não foi aminha surpresa, quando depois de olhar com muita atenção meus trabalhos, falou: “Gostaria de levar você para a minha aldeia para você ensinar as crianças e os jovens a valorizar a própria cultura”.

 

Anuiá Amary Kamaiurá (@anuiaamary) e eu apresentados no espaço @otilhiane_tilli. (Setembro de 2018)

 

Tantas são as questões que envolvem os povos originários em nosso país, de dor, morte usurpação. Sabemos, historicamente, como qualquer colonizador trata os povos colonizados. Mas, além disso, esses povos do Xingu, entre outros indígenas no Brasil, têm que lutar internamente pela preservação de suas raízes, transmitidas oralmente pelos idosos, os guardiões dos costumes. A tecnologia, que atrai as novas gerações para outros caminhos, se somam à pequena documentação apresentada por pesquisadores e estudiosos do assunto.

 

Recomendo a leitura a obra citada, para aqueles que possam se interessar pela magia e riqueza dos povos indígenas do Xingu.

 

(Imagem de abertura: Gravura “Paisagens do Xingu” 1983-Litografia)

 

Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.

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