O Brasil, como o conhecemos, foi encontrado pelos portugueses em 22 de abril de 1500, durante o reinado de D. Manoel I, “O Venturoso”, rei de Portugal e Algarves. Sob o signo do catolicismo, uma das primeiras providências tomadas foi rezar a Primeira Missa, celebrada por Frei Henrique de Coimbra, na praia da Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no litoral da Bahia. Esse momento romantizado e eternizado pelo pintor Victor Meirelles (1832-1903), em 1860, num magnífico óleo sobre tela medindo 2,68 de altura por 3,56 metros de largura, é acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Tudo para dizer que grandes acontecimentos, as artes e a religião sempre estiveram ligados na nossa história. As artes e as coisas da alma se conectam, porque são da mesma ordem, a da espiritualidade do homem.
Na minha história particular também, filha de pais mineiros, católicos, que estudaram em colégios de padres belgas, com tios padres e freira, pode-se imaginar que a religião era assunto muito presente em nossa casa. Desde pequena, no Rio de Janeiro, vizinhos que éramos do Convento Nossa Senhora do Cenáculo, no bairro das Laranjeiras, aos cinco anos fiz a Primeira Comunhão e ali mesmo, por várias vezes, vestida de anjo, coroei Nossa Senhora. Vesti-me de anjo tantas outras vezes, em procissões, ou mais tarde, já sem as asas, também participei do 7º Congresso Eucarístico Nacional, em Curitiba, em 1960.
Nós, os filhos, também estudamos em colégios católicos – Nossa Senhora de Sion, Nossa Senhora Medianeira, Santa Maria. Não me lembro bem, quais irmãos estavam presentes, quando fomos consagrados à Nossa Senhora, em uma pequena e particular cerimônia na Igreja de Santa Terezinha, então nossa paróquia. Lá, o pároco, que era amigo da família, deixava que eu tocasse no lindo órgão da igreja, até que um dia, aos dez anos de idade, sempre muito emocionada, toquei na “missa das dez” uma peça daqueles álbuns americanos que tinham várias músicas conhecidas. Dentre as várias disponíveis, escolhi a que iria tocar durante a celebração da santa missa. Optei por uma que achei condizer com o momento solene e com o majestoso instrumento: nada mais, nada menos do que o hino nacional inglês. Hoje, rindo sozinha, fico imaginando o que deve ter passado pela cabeça do sacerdote e dos fiéis naquele momento. Como resultado, terminada a missa, o padre veio falar sobre a minha escolha inadequada e me informar que minhas aventuras como organista tinham acabado.
Muitas são as histórias e as lembranças dessa época. Por muito tempo achei que queria ser Carmelita, da ordem das irmãs que ficam no claustro, isoladas do mundo, rezando pelo bem da humanidade. Não me lembro quando foi que abandonei a ideia. Já adulta, e mãe de três filhos, vivenciei mais uma linda experiência de arte em local de oração. Dessa vez, apenas no papel de coadjuvante, para a segurança de todos. Em dezembro de 1980, fomos, o João Eduardo, a Adriana e eu, participar de um encontro do Método Suzuki em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, no convento das Irmãs da ordem de Schoenstatt (as irmãs dessa congregação tinham suas próprias profissões). A Louise, como era um bebê, ficou sob os cuidados do pai naqueles dias. A Irmã Maria Wilfried Grassemayer (austríaca), mestre em violino e professora do instrumento, organizara o evento e convidou o professor americano John D. Kendall (1917-2011), uma pessoa rara, gentil, carismático, grande professor, reconhecido internacionalmente, que nos proporcionou uma linda experiência musical e também de vida. Enquanto as crianças trabalhavam, tive a oportunidade de fazer alguns croquis, que apresento aqui como ilustração.
Acabo de contar aqui algumas de minhas muitas pequenas aventuras ligadas à arte e à minha fé católica, hoje muito pouco praticada, porém internamente muito presente. Percebo a formação das crianças muito mais materialista nesses nossos tempos, onde a espiritualidade fica meio sem espaço na correria do dia-a-dia e das mídias contemporâneas. No entanto, fico encantada ao ver sendo erguida, já há tantos anos, a magnifica basílica, o “Templo Expiatório da Sagrada Família” do arquiteto Antoni Gaudí, em Barcelona. E porque as artes e as coisas da alma sempre se conectam por serem da mesma ordem, isso me dá uma certa esperança nesse nosso Brasil, terra indígena, cheia de ricos mitos e lendas de seus povos originários que, como na pintura de Victor Meirelles, assistiram, curiosos, à manifestação de gratidão dos invasores portugueses, em sua “Primeira Missa”.
(Ilustração de abertura: “Primeira Missa” óleo sobre tela de Victor Meirelles,1860 – acervo do Museu Nacional de Belas Artes-Wikimedia Commons)
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4 Comentários
Quê maravilha
Muito obrigada! Querida!
Como sempre, mais um texto que dá gosto de ler👏🏻👏🏻e fica um gostinho de quero mais
Muitíssimo obrigada, é muito gratificante ter esse retorno tão generoso!