Quando um artista escolhe retratar alguém, ou a si mesmo num auto retrato, busca colocar na obra, ou seja, expressar sua visão, usando o melhor de sua técnica, para colocar o ser retratado em toda a sua inteireza e, se possível, além do corpo, mostrar também a sua alma. Na maioria das vezes espera-se que haja fidelidade à fisionomia do retratado, buscando-se um realismo que descreva, sem deixar dúvidas, o perfil do modelo. Mas nem sempre é o caso; às vezes o artista tem outras prioridades, como, por exemplo, colocar o personagem em um dado momento histórico que lhe seja importante, ou até, usar o modelo para falar da sua técnica naquele dado momento.

Quando modelei a cabeça da artista Bernadette Panek, em 1983, buscava representar a beleza de seus traços e seus volumosos cabelos cacheados e, tendo sido um de meus primeiros trabalhos como artista, estava preocupada com a semelhança, além da originalidade da pose e sustentação da cabeça da modelo. Já quando fiz meu próprio auto retrato – “Retrato de moça” (cerâmica, 28x40x16cm), dez anos mais tarde, em 1991, (em um outro momento da minha técnica na cerâmica) – estava mais preocupada com a obra em si. A caixa era um elemento importante da composição naquele período, e continha o personagem, com seus cabelos crespos representados tanto pela forma da cabeça como pelos grafismos nela incluídos. Com a caixa, queria lembrar os retratos de família de antigamente, quando a foto, preto e branco, colorizada, ficava dentro de um oval que, por sua vez, era emoldurado por um retângulo de madeira, arredondado nos cantos, geralmente numa moldura bem trabalhada.
Gosto muito dos retratos de Amadeo Modigliani (1884-1920), tanto na pintura quanto na pedra; sua verticalidade e simplicidade de formas me encantam. Temos um auto retrato do artista no acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), um óleo sobre tela, medindo 100×65 cm e datado de 1919. Picasso, também pintor e escultor, pouco respeitava a realidade das formas de seus modelos, desconstruídos pelo cubismo. Pintou e esculpiu vários retratos e autorretratos, muitos dos quais de suas ex-mulheres.

Muitos artistas retrataram suas amadas e suas musas, porque, afinal, há melhor modelo do que aquele com quem o artista convive e bem conhece? Gaston Lachaise (1882-1935), contemporâneo de Modiglini, retratou sua esposa e mecenas, Isabel Dutaud Nagle, de inúmeras maneiras, buscando enfatizar suas formas generosas, focando sempre mais no seu corpo do que no rosto. Uma de suas mais famosas obras é “Mulher de pé”, ou “Mulher heroica” (bronze de 1932), parte do acervo da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e uma obra similar que se encontra no Metropolitan de Nova York: outra “Mulher de Pé”, produzida entre 1912 e 1915 e fundida em bronze em 1930, medindo187,6 cm x 81,3 cm x45,1 cm. Também ilustro esta coluna com dois auto retratos de Alberto Giacometti (1901-1966). Não são suas obras mais conhecidas, de um artista já maduro, mas conseguem mostram como o desenvolvimento da linguagem de um artista é lento e evolui à medida em que produz a sua obra. Uma das obras é de 1918, um bico de pena medindo 36,6 cm x25,8 cm e a outra é um auto retrato do artista, datado de 1925, uma escultura em gesso medindo 41 cm x 22 cm x 28 cm.

Os artistas que escolhi para ilustrar esse assunto, afora Gaston Lachaise, que foi eminentemente um escultor, foram artistas que dominaram diversas técnicas, em diferentes suportes, tanto no bi como no tridimensional, em algum momento de sua produção artística. Não são necessariamente as obras mais conhecidas dos autores, que seriam de períodos de uma linguagem mais consolidada de cada artista, mas sim, de momentos de transição.
Esse é um assunto tão rico e diverso que sugiro que você, leitor, que gostou do tema, procure continuar buscando na literatura, ou na internet, os retratos de sua preferência, bem como conhecer melhor os artistas que os criaram. Não dei, aqui, nenhum destaque ao retrato produzido por fotógrafos, o que pareceria natural dado o tema, mas como são tantos e tão maravilhosos, deixei para abordá-los em nossa próxima coluna. Aguardem!
(Ilustração de abertura “Retrato de moça” Elizabeth Titton – 1991 – Cerâmica – 28x40x16cm . Coleção particular.)
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