Nas casas brasileiras, menos hoje do que ontem, encontramos imagens e quadros de santos católicos e crucifixos, desde o mais humilde lar até grandes instituições. Não tão conhecida como as de Nossa Senhora, ou das madonas com o Menino Jesus no colo, encontramos Sant’Ana, a mãe de Nossa Senhora, representada pela santa, mais velha, sentada com Nossa Senhora menina em pé, a seu lado, lendo um livro aberto no colo da mãe.
“Sant’Ana” – Século XIX – Goiás- Brasil – madeira esculpida policromada , 56,5x26x13cm – Coleção Angela Gutierrez.
Tenho muita simpatia por essa imagem da mãe-professora, que conheci quando meu pai deu para a minha mãe uma peça esculpida em madeira, policromada num tom escuro, apenas nas vestes e nos cabelos escuros das santas, no mais a madeira aparente. Sant’Ana e sua filha ficavam sobre a arca antiga, na sala de visitas, silenciosas, passando quase despercebidas em seu contínuo trabalho de leitura. Na parte de baixo da obra está assinado Schmitt com as letras cortadas na madeira de topo e ao lado escrito, a lápis, Natal de 1986. Deve ter sido datada pela mamãe, que sempre datava as fotografias da família e acontecimentos importantes como nascimentos, casamentos e mais tarde, também, as separações.
“Santas Mães” – Século XVIII – Pernambuco Brasil – madeira esculpida policromada e dourada (olhos de vidro) , 25x18x8cm – Coleção Angela Gutierrez
Como gosto muito da maternidade e da educação, gosto de Sant’Ana. Levada por esse afeto, fui visitar, em 2006, a belíssima mostra “SANT’ANA Coleção Angela Gutierrez”, no Museu Oscar Niemeyer, acontecida entre os meses de agosto a novembro daquele ano, apoiada pela lei nacional de incentivo à cultura. A exposição foi promovida na gestão de Maristela Requião na presidência do MON. Como preâmbulo, no catálogo que tenho agora em mãos, encontra-se o seguinte, e curioso, texto:
“Que a gloriosa Santa Anna goza hum real, e soberano privilegio de impetração porque se os mais Santos apresentão os seus memoriais a Christo pedindo-lhe humildemente favores, e mercês para seus devotos por modo de rogo, e supplica, a bemaventurada Santa Anna, como natural avó de Christo, tem hum privilegio de pedir por modo de império, e mandado semelhante os que goza sua mãy Maria Santissima.
“Sant’Ana Mestra” – Século XVII – São Paulo – Brasil – Terracota modelada e policromada, 16×27,5,16,5cm -Coleção Angela Gutierrez
Flos Sanctorum do Padre Fr. Diogo do Rosario. Lisboa, 1767.
Uma coleção, composta de quase trezentas obras, é fruto de uma paixão pelo tema do barroco brasileiro, nesse caso, a de Angela Gutierrez, presidente e fundadora do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, criado com a finalidade de valorizar e difundir tal patrimônio. A coleção apresentada no MON representa mais de trinta anos de viagens por Minas Gerais e demais regiões do Brasil, na busca de obras compostas em vários estilos e formas e em vários materiais, dentre os quais madeira, terra cota e pedra sabão. Cada uma com sua história e cargas “espirituais e afetivas”, visando compartilhar “o que em silêncio se cultivou”. (*)
As obras da mostra que fala da “Grande Mãe, que representa o dom de gerar, nutrir e educar para o amor”, foram produzidas nos séculos XVII, XVIII, XIX e XX e podem ser vistas, hoje, na biblioteca do Museu Oscar Niemeyer, no simples, porém representativo catálogo contendo imagens das várias obras e interessantes e ricos textos sobre o assunto. As minhas obras favoritas, dentre as que ali figuram, são: a que está da capa do catálogo: “Sant’Ana Mestra”, do século XIX, de Goiás, Brasil, em madeira esculpida policromada (56,5x26x13cm) e “Santas Mães”, do século XVIII, de Pernambuco, Brasil, em madeira esculpida, policromada e dourada (com olhos de vidro), medindo (25x18x8cm). Esta obra, além das santas, tem, ao fundo, uma árvore com frutas vermelhas.
“No catolicismo, o culto à Sant’Ana reproduz o sentimento ancestral da relação do poder gerador da terra com o da mulher e, ao mesmo tempo encarna outro culto da Antiguidade, que é a reverência aos antepassados, ao conhecimento que se transfere de geração em geração, por isso denominada de “Mestra” ou “Guia” […] Sant’Ana é sempre representada como uma mulher madura, serena, transmitindo seu conhecimento ou guiando a Virgem Maria pelas mãos, e quando não a traz no colo […]”. (Orlando Ramos Filho).
(*) Citação de Angela Gutierrez.
Imagem de abertura: : “Sant’Ana”- Schmitt- madeira esculpida policromada medindo 25,5x17x11cm – coleção Elizabeth Titton
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