Sempre gostei das festas juninas. Agora, com os filhos crescidos, não tenho me atentado para tais festejos. As lanternas coloridas, a grande fogueira, os trajes típicos do interior, com os personagens das “sinhazinhas” e seus vestidos de babados e sombrinhas rendadas, com os noivos e o padre que celebra o casamento na roça, tudo era diversão pura. As comidas típicas como pipoca, canjica, pé-de-moleque, paçoca, quentão entre outros quitutes (aqui no sul o pinhão) eram motivo de muita expectativa e muita gulodice. Já as músicas tradicionais dessa época de soltar balões (os “chinesinhos” para as crianças) e fogos coloridos nos céus estrelados de inverno, comemorando São João deixaram saudades. Gostava especialmente do “pau de fita”, que ensaiávamos, já bem cedo antes das festas, pra não dar “nó” na hora H . Era lindo de se ver! Tudo isso sempre me encantou. Nas festas, celebradas nas noites geladas, vestíamos blusas de lã por baixo dos caprichados vestidos de babado e anáguas de renda. Eram noites inesquecíveis, sem contar as bombinhas, traques e busca-pés que eram coisa dos meninos e das meninas mais bagunceiras!
Nesse último final de semana, no entanto, fui assombrada pela festa do colégio aqui na vizinhança, que usou uma apresentadora ao microfone, em altíssimo volume, para chamar as turmas de maternal, uma por uma, desde a turma um até a turma infinito. Tudo teve início com o teste do som às 7 horas da manhã de sábado e terminou às 17, após intermináveis orientações aos participantes. Extremamente traumático! Era como se estivessem dentro do meu jardim! Foi triste perceber a necessidade de uma pessoa, aos gritos no autofalante, para que se organizasse o festejo.
Decidi, no dia seguinte, buscar as origens dessas festas, que para surpresa minha, não são absolutamente brasileiras. Trazidas até nós pelos colonizadores portugueses, já eram celebradas por fés católicas, protestantes, anglicanas entre outras. A principal festa, a que comemora o nascimento de São João Batista, no 24 de junho, além das de Santo António (13) e São Pedro e São Paulo (29), é comemorada na noite da véspera da natividade do santo, diferentemente dos demais, cuja data comemorada é a de suas mortes. São João, primo de Jesus, nasceu seis meses antes dele, destinado a preparar e iluminar o caminho para a sua vinda.
As festas de junho já eram comemoradas muito antes por povos pagãos e tinham outros motivos. O solstício de verão, no hemisfério norte, começa dia 20 de junho e era o evento que motivava as grandes comemorações desse período do ano, desde antes da idade média. Nessas ocasiões, enormes fogueiras eram acesas para queimar quaisquer “coisas más” que pairassem no ar. As fogueiras daqueles tempos eram feitas de ossos, madeira e ossos com madeira e, em volta delas, se dançava e se comemoravam colheitas e outros benefícios.
Inúmeras são as obras de arte, além das obras do cancioneiro popular e das obras das magníficas costureiras e doceiras que marcam os festejos de junho e povoam tanto a cultura brasileira como as do hemisfério norte. Na música, na literatura ou nas artes plásticas, encontramos e desfrutamos de sua beleza, desde as bandeirinhas de Alfredo Volpi (1896-1988) até Tintoretto (1519-1594), com sua obra “O nascimento de João Batista” (1550), passando por Portinari, com sua “Festa de São João” (1958). Na música, dentre tantas, lembramos com carinho de melodias da nossa infância como a “Capelinha de Melão” e “Cai, cai balão”, que cantam, respectivamente, São João e os balões de papel.
Esses últimos, ao caírem dos céus, lenta e suavemente, traziam no seu encalço, em louca correria, toda a criançada da vizinhança, na busca da conquista pela “tocha”. Era o grande troféu, a parte mais preciosa, o coração do balão que permitiria, como uma semente, o nascimento de novas fontes de luzes coloridas que, nos céus gelados do início do inverno, dividiam espaço com as estrelas. Eram eles, os balões gigantes, com seus desenhos e formatos planejados, coloridos, feitos de “mil” folhas de papel de seda e muita goma caseira, empenho e sabedoria, as próprias obras de arte! Por causa deles, saíamos à noite para observar suas frágeis e efêmeras vidas nos céus da nossa infância… coisa impensável nos dias de hoje!
Assim eram as nossas festas juninas!
(Imagem de abertura: “As sinhazinhas” Adriana e Louise Titton- 1982)
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