Nessa semana me chegaram às mãos, por intermédio de meu filho, as publicações do instagram #euamoacenaartisticadaminhacidade (@augustopellizzaro), especificamente as partes 27 e 28. Sabendo que escrevo essa coluna, João Eduardo resolveu me provocar. Sem sombra de dúvida uma ótima provocação.
Depois de ler os charmosos e instigantes textos, desconhecendo, até então, a coluna, acreditei ser uma sátira à crítica artística e ou curadorias sobre arte contemporânea. O autor em questão, apresenta a imagem de uma escrivaninha (cena 27) e de uma porta (cena 28), abandonados na rua, ou deixadas para serem retiradas pelo lixo da cidade e as descreve não como móveis velhos e deteriorados pelo uso e pelo tempo, mas sim como instalações artísticas, como obras de arte que, teriam sido deixadas, intencionalmente para a admiração pública. Qual não foi a minha surpresa quando, curiosa sobre os comentários dos seguidores, me deparei com a aceitação, em grande parte, como “crítica artística” e não como uma sátira. Como se fosse a real descrição de obras de arte que, por acaso ou não, estariam pelas ruas ou esquinas da cidade de Porto Alegre.
Corri para minha pequena biblioteca, em busca do exemplar “O que é arte” de Jorge Coli, exemplar nº46 da “Coleção Primeiros Passos”, da Editora Brasiliense (1981). Foi esse livrinho que, dentre tantos outros autores, me ocorreu buscar naquela hora. Falando sobre como se dá a fruição da arte, como diz Jorge Coli, diferentemente das regras do futebol “a arte […] exige um conjunto de relações e de referências muito mais complicadas. Pois as regras do jogo artístico evoluem com o tempo, envelhecem, transformam-se nas mãos de cada artista. Tudo na arte — e nunca estaremos insistindo bastante sobre esse ponto — é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não se pode aprender “regras” de apreciação. E a percepção artística não se dá espontaneamente”.
A internet veio mudar conceitos vigentes por tanto tempo. Para cada escritor e seu grupo de “seguidores” existe uma verdade igualmente aceita ou rejeitada, pois é tão heterogênea a frequência dos sites que, qualquer coisa que se diga ou escreva gera tanto defensores fiéis quanto inimigos ferozes. Tudo muito na superfície, afirmações levianas viram verdades definitivas ao mesmo tempo que dogmas são descartados em segundos.
Augusto não transforma lixo em arte, não leva a escrivaninha e a porta para a sua casa como preciosidades para criar seu próprio museu. Usa o lixo como objeto de sua escrita e brinca com o seu seguidor.
Eu, aqui, com a minha jovem coluna “Arte importa?”, como escultora, professora de arte e ex-diretora de museu, fico com os últimos parágrafos de Jorge Coli em “O que é arte”:
“Assim, num país como o nosso, temos que acrescentar ao esforço que a obra, pela sua complexidade, exige de nós, o esforço de alcançar concreta, materialmente, a produção artística. Somos condenados a redobrar nosso empenho, nosso interesse, nossa busca. E esse esforço coloca de per si o problema, não mais individual, mas social, do direito à frequentação. Assim, as pessoas que, em nossa sociedade, tem consciência do papel fundamental desempenhado pela arte no seio da cultura, são forçosamente obrigadas a colocar o problema do acesso à obra. É necessário exigir os meios da frequentação.”
(Foto: Viajando com o lixo doméstico em Katmandu – Autores: ©Yash Man Karmacharya e ©Pia Hollenbach num Projeto da “r4d project”)
Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.