Pular para o conteúdo
VIDAL-CABECA-COLUNA

Ira!: Quarenta anos de uma estreia visceral

21/05/2025

Completando quarenta anos de sua estreia agora, em maio, Mudança de Comportamento, da banda Ira!, é um marco no rock brasileiro. Com letras de conotação social, política e sentimental, fizeram a cabeça da juventude dos anos 80. Nasi (vocais), Edgard Scandurra (guitarra e vocais), Gaspa (baixo) e André Jung (bateria) lançaram um álbum que mistura punk rock, new wave e mod, mostrando para o Brasil como se faz música boa. A produção ficou com Pena Schmidt.

mudanca de comportamento ira

O disco abre com potência. Longe De Tudo é um manifesto de ruptura com o cotidiano opressor, uma busca por liberdade que reflete a inquietação de uma juventude sufocada. A guitarra urgente de Scandurra dita o ritmo alucinante, enquanto Nasi canta com desespero contido. A bateria de Jung contribui com precisão marcial. A música remete ao espírito punk, mas já aponta para algo mais sofisticado.

Talvez a faixa mais icônica da banda, Núcleo Base é um hino de introspecção e desejo de conexão afetiva. Com lirismo existencial, a letra reflete a busca por um refúgio emocional e identidade. A melodia é melancólica, envolvente, e a interpretação de Nasi é contida e precisa, enquanto a guitarra de Scandurra alterna entre suavidade e tensão. Um clássico absoluto da banda.

A faixa-título, Mudança De Comportamento, é uma crítica afiada aos comportamentos moldados pela sociedade. Há aqui uma recusa a se conformar com padrões pré-estabelecidos, algo recorrente na postura da banda. A canção é vibrante, com guitarras rápidas e vocais sarcásticos. O refrão é direto e mordaz. É uma síntese perfeita do espírito contestador do álbum e da banda.

Tolices tem letra curta e incisiva, que parece denunciar comportamentos irracionais e impensados. A estrutura é simples, com riffs diretos e ritmo cadenciado. A interpretação vocal é sublime. Funciona como uma válvula de escape do álbum.

Coração é um rock mais rápido e punk. Fala de sentimentos e fragilidade sem cair na pieguice. A instrumentação é mais contida, quase pop, mas com um baixo marcante e guitarras sutis. Mostra a banda com romantismo punk em uma faceta mais sensível, mas ainda firme em sua identidade sonora.

Saída retoma o impulso de fuga, presente na abertura do álbum. Com guitarras cheias de reverb e uma batida constante, soa como a trilha sonora de uma escapada urbana, uma procura por alívio ou solução. A letra fala de não querer mais participar de um jogo social ou emocional. A bateria de Jung controla o ritmo.

Ninguém Precisa Da Guerra é, sem dúvida, uma das faixas mais politizadas e contundentes do álbum. Funciona como um grito pacifista, mas também como uma denúncia contra as múltiplas formas de violência que permeiam o cotidiano. A letra é direta, sem rodeios, e o refrão se repete como um mantra urgente e indignado, como se exigisse atenção imediata: “Ninguém precisa da guerra!” Musicalmente, a canção tem um arranjo tenso e agitado, com guitarras cortantes e percussão marcada. A interpretação vocal de Nasi é raivosa, quase desesperada, imprimindo o peso emocional da mensagem. A construção da faixa remete à estética do punk britânico do final dos anos 1970, mas com um sotaque urbano paulistano inconfundível.

Por Trás De Um Sorriso sugere que a cordialidade muitas vezes mascara intenções negativas, expondo a falsidade como norma nas relações interpessoais. A guitarra de Scandurra alterna entre acordes espaçados e intervenções tensas, enquanto Nasi canta com um tom de ceticismo contido, quase acusatório. Uma faixa que remete ao pós-punk por sua atmosfera carregada e crítica social implícita.

Em Como Os Ponteiros De Um Relógio, a metáfora do relógio funciona como um símbolo do tempo aprisionado, da rotina inescapável e da repetição sem sentido. A canção é marcada por um riff hipnótico que imita justamente o tique-taque circular dos ponteiros. A bateria marca um ritmo constante, quase mecânico, enquanto os vocais expressam conformismo e impotência. É uma das faixas mais densas do álbum, tanto liricamente quanto na construção instrumental.

Uma canção profundamente desiludida, com ares existencialistas. Sonhar Com Quê? questiona o próprio ato de sonhar num mundo saturado por frustrações e ausência de perspectivas reais. A letra sugere a perda da esperança como resposta a um ambiente opressor e estagnado: “Num mundo onde tudo já parece decidido, ainda há espaço para o sonho?”. O vocal de Nasi, aqui, tem um peso emocional intenso, como quem canta com resignação.

Ninguém Entende Um Mod!, a faixa final, é uma explosão de identidade e ironia. Com título provocador e autorreferente, é uma declaração de amor à cultura mod e, ao mesmo tempo, uma crítica bem-humorada ao isolamento cultural que os mods enfrentavam no Brasil da década de 1980. A letra mistura ressentimento com orgulho. Não é uma reclamação, mas uma reafirmação de autenticidade. É vibrante, rápida e crua, com riffs nervosos e vocais carregados de atitude. Um encerramento à altura, com personalidade, irreverência e espírito combativo.

Mudança de Comportamento provocou os jovens na década de 80. Foram desafiados a pensar e expressar suas angústias, seus medos, seus descontentamentos. E conseguiu. Como? Com letras inteligentes e uma musicalidade perfeita. Perfeita como o rock’n’roll. O bom e velho rock’n’roll.

Leia outras colunas do Marcus Vidal aqui.