De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 5% da população brasileira sofre com transtornos alimentares, cerca de 10 milhões de pessoas. Muitas vezes, a comida se torna uma válvula de escape, uma forma de distração para escapar da realidade e aliviar as dores momentâneas, já que o comer emocional está associado a hábitos condicionados pelo nosso humor. Nestes casos, a pessoa não come por fome fisiológica, mas para satisfazer as necessidades emocionais.
“Quando alguém está se sentindo ansioso e devora um pote de sorvete sozinho, o prazer é instantâneo. Ou seja, a recompensa e a sensação imediata de bem-estar ajudam a reduzir a ansiedade”, justifica Monica Machado, psicóloga pela USP, fundadora da Clínica Ame.C, pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
Comida como fonte exclusiva de prazer
Pessoas ansiosas preferem alimentos ricos em açúcar e carboidratos, pois oferecem a sensação rápida de prazer. Alguns alimentos ativam o sistema límbico no cérebro, região envolvida com o mecanismo de “ganho e recompensa”. Por exemplo, ao comer doces, há uma diminuição momentânea da ansiedade. Este efeito acaba sendo registrado pelo cérebro como uma solução para combater o estresse.
“Ou seja, toda vez que a pessoa estiver ansiosa, automaticamente haverá uma associação aos doces, como uma espécie de alívio e fuga do estado emocional. Além disso, o doce é muito palatável, fazendo com que a pessoa fique condicionada a ele nos momentos de tensão, já que o alimento não só proporciona uma sensação de prazer como diminui a ansiedade”, ressalta a psicóloga”.
Vale lembrar que experimentar uma nova iguaria e se deliciar é totalmente natural e faz parte do nosso processo alimentar. “Entretanto, se a pessoa descobre naquele alimento uma fonte exclusiva de satisfação, a ponto de estocar o item em casa e come-lo em grande quantidade todo dia para se sentir bem, isso só levará a uma espiral de problemas”.
Pseudo autocontrole
Segundo Monica Machado, comer sem estar com fome, sem prestar atenção no alimento, é um hábito muito comum nos estados de ansiedade, como um mecanismo de enfrentamento que pode minimizar temporariamente emoções indesejadas.
No entanto, passar o dia todo tentando controlar a vontade de comer pode ser um tiro no pé e levar a um episódio de compulsão. Em um determinado momento, a pessoa cede e acaba comendo grandes quantidades de comida em um espaço muito pequeno de tempo. Pior: não consegue parar de comer, mesmo já tendo a sensação de saciedade e o desconforto abdominal pela ingestão exagerada.
Saúde comprometida: o preço da fome emocional
De acordo com a OMS, aproximadamente 49% das pessoas que apresentam algum distúrbio alimentar são obesas e 15% são obesas mórbidas. A endocrinologista Claudia Chang, pós-doutora em endocrinologia e metabologia pela USP e Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM); explica que o estresse crônico causa um aumento de hormônios, como cortisol, adrenalina e noradrenalina. As consequências desse aumento incluem ganho de peso com acúmulo de gordura visceral.
Segundo a especialista, o acúmulo de gordura corporal associado ao emocional comprometido e ao aumento na ingestão de comida contribui para o agravamento da resistência à insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas que põe a glicose do sangue para “dentro” das células. Para impedir esta resistência, o pâncreas passa a produzir mais insulina.
“O problema é que a insulina em excesso gera ganho de peso (ela é um hormônio que aumenta as células de gordura), estabelecendo um ciclo vicioso. Como o pâncreas tem sua demanda metabólica muito aumentada (trabalha muito acima da capacidade que deveria), pode não conseguir mais manter este ‘ritmo de produção’. Daí, surgem as alterações glicêmicas que vão desde pré diabetes até o diagnóstico de diabetes franco”, pontua Claudia Chang.
Como diferenciar a fome fisiológica da emocional
A fome emocional tende a aparecer de repente e com uma intensidade tão alta que, na maioria dos casos, é muito difícil resistir e diferenciá-la da fome física.
Para identificar a fome emocional, a psicóloga reforça alguns sinais:
• Aparece inesperadamente;
• Comemos automaticamente, sem estar ciente do tempo ou das quantidades;
• Geralmente, queremos um tipo específico de comida ou refeição, quase sempre alimentos gordurosos ou com açúcar;
• Não nos sentimos saciados;
• Depois de comer, sentimos culpa, arrependimento ou vergonha
“Uma vez percebida que a sensação de fome não é física, mas emocional, e que a ansiedade é o que está lhe favorecendo a não resistir ao ataque compulsivo à comida, é hora de procurar ajuda. É preciso entender o significado do que sentimos, perceber o que suscita e como lidar com a emoção. Afinal, somos todos comedores emocionais, pois não temos como dissociar nosso emocional do biológico”, finaliza Monica Machado.