A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer
(Ruy Barbosa)
O Brasil vive desde 2018 sob a pior das ditaduras. A partir de então cada vez mais brasileiros têm sido privados de vários de seus direitos fundamentais numa escala nunca vista. Nem a Ditadura Militar (1964-1985) foi tão longe na escala de vítimas. A origem de tais horrores e misérias se remete ao ativismo judicial, uma prática não só antagônica ao Estado Democrático de Direito, mas fundamentalmente destinada a subvertê-lo e destruí-lo.
O ativismo judicial é parte da atual crise de autoridade que está minando de forma irrefreável o regime democrático no Brasil. Pelo menos uma das manifestações do fenômeno é de amplo conhecimento público e ocupa as manchetes dos principais meios de comunicação diariamente. Sua expressão mais visível é o conflito entre o Presidente da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal. No centro do enfrentamento está a disputa sobre quem tem o poder de impor sua vontade ao outro. Inexiste de ambas as partes qualquer preocupação com questões de princípios, sejam afetas à imposição da justiça, seja da busca da eficiência administrativa.
Para além das disputas citadas, o ativismo judicial se manifesta em muitos outros casos, supostamente justificando a concretização de direitos. Um marco importante neste processo ocorreu em 2019 quando da decisão do STF de nivelar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo. Tratou-se de um degrau decisivo na escalada do Judiciário rumo à imposição da sua condição de poder legislador, usurpando as prerrogativas do Congresso Nacional.
Mas também ocorre ingerência do Judiciário no Poder Executivo. É o que se verifica nas decisões sobre as filas do SUS, as vagas em escolas e creches, a qualidade da merenda escolar, a proibição da atuação da polícia nos morros cariocas, a disponibilidade de medicamentos e até, como se viu dias atrás, na determinação do STF a Presidência da República para que descobrisse o paradeiro de um funcionário da FUNAI e de um jornalista britânico, ambos desaparecidos numa região de conflitos fundiários e ambientais.
O ativismo judicial não pode ser erroneamente associado apenas à suposta concretização de direitos. Uma vez que não visa a busca da justiça, mas se trata de mera disputa pelo poder, o ativismo judicial também pode atuar em sentido diametralmente oposto, de negação de direitos. É o caso da histórica decisão do STJ de 2018 segundo a qual foi extinta, de forma arbitrária, inconstitucional e ilegal, o princípio da impenhorabilidade, isto é, a definição do que pode ser tirado de um devedor par pagar uma dívida junto a algum credor.
No que se refere aos salários o Código de Processo Civil (CPC) estabeleceu que estes são impenhoráveis. A impenhorabilidade salarial sempre constou nas diferentes versões do texto, como se nota na edição de 1973, emitida no auge da Ditadura Militar e na de 2015 vigente. Atualmente são admitidas, contudo, duas exceções: no caso de ações de caráter alimentar e os valores que excederem 50 (cinquenta) salários-mínimos. Em sua histórica decisão ao autorizar os juízes a “mitigar” o princípio da impenhorabilidade dos salários para qualquer tipo de ação e qualquer valor abaixo deste limite o STJ, concretamente, reescreveu a lei vigente. O precedente assim aberto rapidamente levou ao fim do princípio da impenhorabilidade em praticamente todos os tipos de casos judiciais. Na prática, desde então, nada mais é impenhorável.
O cínico desrespeito pelos direitos legais dos cidadãos tem levado à casos de indescritível indignidade e desumanidade como são os despejos de famílias de trabalhadores rurais do único lote de terra de que dispõe para cultivar; da tomada do único imóvel que uma família possui para morar; do sequestro de parte dos salários do qual arrimos de família dependem para sustentar seus entes; da inviabilização de pesquisas científicas que até então eram financiadas pelos próprios pesquisadores; e, em casos extremos de selvageria e impiedade, juízes decidem penhorar até mesmo valores dedicados à cidadãos em situação de extrema vulnerabilidade social como são o Auxílio Emergencial e o Auxílio Doença do INSS. Ambas as fontes de renda seguem atualmente sob risco de serem penhorados judicialmente para pagar quaisquer dívidas.
Na atual Ditadura do Judiciário inexistem limites à atuação arbitrária, personalista, mesquinha e subjetiva do juiz. Pode-se facilmente encontrar na imprensa comum e especializada notícias de devedores que tiveram seus salários penhorados, dos mais variados valores. É comum encontrar rendimentos de quarenta, trinta, vinte etc. salários-mínimos que tiveram o percentual arbitrário de 30% ilegalmente penhorado para pagamento de dívidas comuns, geralmente com bancos ou financeiras. Mas também há casos de rendimentos consideravelmente menores, inclusive devedores que auferiam 1 (hum) salário-mínimo que também foram objeto de penhora ilegal imposta judicialmente. Pode-se assim, com base no ativismo judicial, retirar dos devedores até mesmo o mínimo indispensável para sua sobrevivência. E, no que se refere a este aspecto, tudo depende da subjetividade do juiz.
O caráter arbitrário da decisão do STJ também se manifesta no percentual de 30% que seria o máximo do salário a ser penhorado para pagar dívidas comuns. A imposição de um determinado percentual para penhora salarial é feita em total desconsideração pela função desempenhada pelo salário, isto é, se é destinado apenas à remuneração do trabalho e manutenção do devedor ou se inclui também a subsistência da sua família ou dependentes. É absolutamente irrelevante para o juiz-legislador se o devedor é, por exemplo, arrimo de família, se é responsável pela manutenção de filhos menores de idade e/ou pais idosos que demandem cuidados especializados.
Em contraste com tal arbitrariedade da parte da Justiça Cível, a Justiça de Família, por outro lado emprega diversos recursos em minuciosas investigações de receitas e despesas dos envolvidos em processos de pagamento de pensão alimentícia. É rotina na Justiça de Família que o juiz demande a ambas as partes envolvidas a quebra de sigilo bancário e fiscal, a exigência de comprovação de receitas e despesas, determine visitas aos domicílios etc. Ainda assim, pode levar anos até que a Justiça de Família se sinta segura em alterar ou emitir alguma decisão sobre percentuais de salário muito menores do que os citados 30%. Trata-se chocante diferença para com a total falta de método e critério da penhora ilegal de salários por parte da Justiça Cível para pagar dívidas comuns.
No meu caso pessoal a ilegal imposição da penhora salarial começou em maio de 2021. O ilegal desconto imposto judicialmente de 25% de meu salário visa indenizar o suposto dano moral que teria cometido por ter denunciado uma falsa professora, contratada por um dos mais caros colégios particulares de Curitiba em 2006. Não se trata de prejuízo apenas de ordem pessoal. A penhora ilegal de meu salário liquidou com a possibilidade de autofinanciamento da minha pesquisa em instituições do exterior, Estados Unidos e Alemanha, como consta da proposta de estágio de pós-doutorado na UFRJ que eu deveria ter desenvolvido entre 2021 e 2022.
Além de impedir a pesquisa científica a decisão atingiu minha família, já sacrificada pela perda de 32% de meu poder aquisitivo pela não reposição salarial nos últimos anos. A ilegal penhora encerrou as expectativas de acesso de meus familiares a bens e serviços que finalmente haviam se tornado usuais desde minha promoção ao cargo de Professor Titular em 2016. As poucas reservas financeiras acumuladas anteriormente com a finalidade de executar a pesquisa de pós-doutorado no exterior passaram a ser usadas para amortecer a queda de rendimentos, num processo de transição para um inédito e ilegalmente imposto padrão de vida familiar mais rebaixado. Assim, a Ditadura do Judiciário além de prejudicar de forma grave e irresponsável a pesquisa científica no Brasil, reconhecidamente já muito subfinanciada, nem por isso deixa de atingir a família dos pesquisadores.
Este último aspecto tem que ser enfatizado. O que também se verifica no ativismo judicial que se dedica a penhorar ilegalmente salários, especificamente salários de arrimos de família, é a imposição de um castigo coletivo. É um princípio jurídico universalmente aceito – ou deveria ser – segundo o qual nenhuma pessoa pode ser punida por um crime que pessoalmente não tenha cometido. E este é outro crime implícito na ilegal penhora de salários possibilitada pelo STJ. Desta forma, não foi apenas meu trabalho como pesquisador, nem minha própria dignidade ou bem-estar que foram sacrificados para atender ao pagamento de uma dívida ilegal e imoral, mas também a dignidade e bem-estar da minha família da qual sou o único provedor.
O ativismo judicial, provavelmente, não será detido por nenhum dos outros poderes da República. As reações do Congresso à ditadura do judiciário são raras e esparsas, tendendo a serem puramente retóricas. Da parte do Poder Executivo seria importante que este nomeasse para as vagas em aberto no STJ apenas juízes que estivessem realmente comprometidos com o fim do ativismo judicial e da privação ilegal de direitos que este vem promovendo.
No que se refere à cidadania brasileira é decisivo que esta tome consciência das arbitrariedades e ilegalidades que vem sendo promovidas pelo Poder Judiciário e demande o reenquadramento dos juízes na condição de funcionários públicos, submetidos às leis do país e encarregados de promover sua justa aplicação.
A figura do juiz legislador tem que ser extinta para sempre, bem como a do juiz marajá, os quais compõe a vasta maioria da categoria. A todos juízes tem que ser aplicado o abate-teto, cortando na folha de pagamento todo e qualquer valor que exceda o teto salarial do funcionalismo público determinado pela nossa Constituição. A constituição que é dever de todo juiz cumprir e fazer cumprir.
Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Bizarra e Grotesca Inversão: a luta perdida contra o exercício ilegal da profissão de professor no Brasil (2006-2021)” da Editora LAECC (2021) disponível aqui.
Subscrevo.
Prezado Professor: a injustiça avança pelo país tal qual erva daninha em terrenos baldios. No seu caso, a brutal e nefasta decisão veio a prejudicá-lo de maneira absurda.
Imagine agora o meu caso: economiário aposentado, vi, a partir de 2016, valores cada vez maiores sendo descontados dos meus vencimentos, à medida em que se encerravam os balanços anuais da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), empresa de previdência privada que paga nossos vencimentos.
Esses valores nos são cobrados para a cobertura do déficit apresentado em sucessivos balanços da Fundação – e motivados por investimentos e aplicações mal feitas, sem análise (ou com parecer negativo dado pelos colegas analistas), mas que atenderam à determinação do governo petista então em vigor. Hoje descontamos 19,5% dos nossos já defasados vencimentos para cobrir esse déficit QUE NÃO FOI CAUSADO POR NÓS, pobres funcionários aposentados.
Mas investir um milhão de reais em empresas como a JBS (dos irmãos Wesley e Joesley Batista); no Grupo EBX, do falido empresário Eike Batista (aquele mesmo, do Lamborghini na sala de visitas), no Banco Santos, do também falido banqueiro Edmar Cid Ferreira, na estatal Sete Brasil, criada (e fechada) para construir plataformas de exploração de petróleo em águas profundas e por aí vai.
Como vê, caro Professor, as injustiças acontecem – e não são observadas pelo Poder Judiciário, que simplesmente prefere olhar para o outro lado e fingir que nada está acontecendo.
Ou, ainda pior, VER o que está acontecendo, empalidecer e nenhuma providência adotar para corrigir esses e outros absurdos que estão sendo perpetrados em nosso pobre país.