Peço perdão pela frase, mas ela não é minha.
Foi dita ao então ministro Celso de Mello pelo jurista Saulo Ramos, falecido em 2013, que foi consultor jurídico e Ministro da Justiça do governo de José Sarney e foi incluída por ele no livro “Código da Vida”, que escreveu em 2007. Nele, Saulo Ramos conta como articulou junto a Sarney para que Celso de Mello, seu subordinado na consultoria jurídica do Planalto, fosse nomeado ministro do STF.
A história é ótima e merece ser contada, em tempos onde muito se discute a atuação do STF e a relação entre indicados e indicadores.
Nela, o autor revela episódio que o fez romper relações com o ex-subordinado.
Tudo começou quando Sarney deixou a Presidência da República e decidiu candidatar-se ao Senado. O PMDB negou-lhe a legenda no Maranhão, onde Sarney havia sido Governador e tinha o mando político, e para escapar do veto ele decidiu concorrer pelo Amapá. Logicamente, lá os adversários impugnaram a candidatura.
Sarney recorreu ao Supremo. Num telefonema a Saulo, Celso de Mello disse que considerava “indiscutível” o direito de Sarney à candidatura, já que a transferência de domicílio ocorrera dentro do prazo legal.
O ministro Marco Aurélio Mello foi sorteado para relatar o processo e no mesmo dia concedeu uma liminar favorável à manutenção da candidatura de Sarney pelo Amapá.
O caso foi para o plenário do tribunal e, para surpresa de Saulo, Celso de Mello votou pela cassação da candidatura.
Saulo Ramos ficou pasmo, sem entender a mudança de comportamento do amigo e afilhado.
A explicação veio num novo telefonema, e o diálogo foi exatamente esse, como consta do livro:
— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do presidente.
— Claro! O que deu em você?
— É que a Folha de São Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de São Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do presidente.
— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de São Paulo noticiou que você votaria a favor?
— Sim.
— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
— Exatamente. O senhor entendeu?
— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda.
No livro, Saulo Ramos conta que nunca mais dirigiu a palavra a Celso de Mello, que jamais desmentiu a conversa.
Foto: Fellipe Sampaio – SCO/STF- 03/08/2020