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07/09/2024

ernani buchmann

Zuluaga

O homem era colombiano, já com mais de 30 anos, aposentado das competições oficiais de ciclismo. Sua profissão era fazer maratonas de bicicleta em torno de uma praça, pedalando durante dias sem parar nem para as necessidades. Nesses casos, entrava em uma barraca, a bicicleta era colocada sobre uma pequena geringonça e ali pedalava para trás, enquanto aliviava-se.

Esqueci seu nome completo, talvez fosse Luiz Zuluaga. A estratégia era repetida em diversas cidades. Chegava, mostrava fotos de suas provas, garantia o apoio das prefeituras e conseguia os necessários patrocínios, como de restaurantes que ofereciam refeições a ele e sua mulher, lojas que lhe ofertavam bicicletas ou tratavam de pendurar faixas entre postes da praça com artigos em ofertas e, a cereja do bolo, um prêmio em dinheiro ou em produto caso Zuluaga cumprisse a meta a que se comprometia a cumprir. A mídia se encarregava do resto.

Lembro que as ruas que circundavam a Praça da Bandeira, em Joinville, foram isoladas com cordas. Ao lado do Pavilhão de Esportes foram montadas as barracas, uma para o descanso da esposa e aquela para coletar os dejetos do superatleta.

Zuluaga prometeu pedalar uma semana inteira, a começar em uma segunda-feira às 8h da manhã e a terminar no domingo seguinte, às 20h. O início se deu com espoucar de foguetes, entrevista na Rádio Difusora, ZYA-5, beijos na mulher, votos de boa sorte e uma salva de palmas. O desafio estava lançado.

Durante a semana a população joinvilense passava para dar uma olhada no andamento da prova. Operários na ida e na volta do trabalho paravam suas bicicletas e ficavam uns minutos apreciando o pedalar de Zuluaga. O público deixava o Cine Palácio e ficava nas escadas. As crianças saíam da escola e se seguravam nas cordas a gritar o nome do colombiano e a receber um tchauzinho dele.

Para a chegada, na noite do domingo, a praça lotou. A rádio passou a transmitir ao vivo, as autoridades apareceram e o público aplaudia o ciclista a cada volta. Então, Zuluaga parou junto ao microfone da Difusora e, pedalando para trás, anunciou que, por estar se sentindo bem, iria brindar os joinvilenses com mais duas horas de pedaladas. Para o menino encarapitado nos ombros do seu Tio Cassou, aquilo foi um desastre. Não seria possível esperar ali por mais duas horas.

Nas casas, os velhos rádios estavam sintonizados na Difusora. O locutor se esbaldava, aumentando a tensão a cada minuto, até que foi anunciada a última volta. O público começou a invadir a pista, Zuluaga chegou devagar, ziguezagueando até, teatralmente, desabar sobre a multidão. Foi uma apoteose.

Para o menino, a resistência do herói era algo impossível de cogitar, ultrapassava os limites da razão. Foi o bastante para ter febre, a delirar pela madrugada. Muitos anos mais tarde, já adulto, narrou como ficção, recheada de invencionices, a saga de Luiz Zuluaga, à época narrada em tons épicos nos jornais da terça-feira – eles não circulavam às segundas.

Até hoje me pergunto quais estimulantes ele tomava. Com certeza eram muitos, toneladas deles. Sei que pedalou por muitas cidades brasileiras, mas desconheço seu fim. Se já falecido, garanto que foi para o túmulo montado na sua bicicleta – talvez aquela que, em Joinville, foi-lhe dada pela loja Hermes Macedo.

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