Por Isabella Honório
Você anda pelas ruas da cidade e vê pôsteres, entra no ônibus e assiste ao trailer, acessa o Instagram e dá de cara com um anúncio – finalmente, a espera por Coração de Neon acabou. A cerimônia de pré-estreia do filme aconteceu no último domingo (5), no Teatro Positivo. Com tapete vermelho, presença da equipe e elenco, e show ao vivo com as músicas da trilha sonora, a ideia era fazer um evento inspirado nas premières internacionais. O filme foi gravado no bairro Boqueirão e é resultado de uma produção independente de leis de incentivo. A estreia nos cinemas está marcada para esta quinta-feira (9) e a expectativa é grande – a estratégia de marketing foi inteligente. Muito se fala de Coração de Neon, mas o que Coração de Neon tem a dizer?
O longa é uma mistura de intenções e sentimentos. O filme conta a história de Fernando, interpretado por Lucas Estevan Soares, que é também diretor e e roteirista da trama, e seu pai, Lau (Paulo Matos), que dirigem pelo bairro um carro de telemensagens, o Coração de Neon, ou Boquelove. O sonho da família é levantar uma grana e tentar a sorte nos Estados Unidos com o Corcel. O mundo de coraçõezinhos de confete e da boa relação com o pai de Fernando é abalado quando nem tudo acaba bem durante uma homenagem. Um evento inesperado envolve Lau e Gomes, sargento que o contratou para fazer as pazes com sua esposa Andressa (Ana de Ferro), com quem o policial mantinha um relacionamento abusivo e violento. A partir daí, Fernando e seu melhor amigo Dinho (Wawa Black) se envolvem em planos de vingança e encontram muito drama familiar e violência pelo caminho.
Pré-estreia em Curitiba
Como não poderia ser diferente, Curitiba foi palco da cerimônia de pré-estreia. Na noite do último domingo (5), o evento transformou o Teatro Positivo no cenário de uma première nos moldes do Oscar e contou com um coquetel ao final. A intenção era trazer o formato de comemoração experimentado no exterior para a capital paranaense. Antes de voltar ao sul do Brasil o filme rodou a Europa e teve boa recepção da crítica. Coração de Neon foi exibido no Festival de Cannes de 2022, onde foi considerado “exemplo do novo cinema popular brasileiro”. A produção acumula prêmios do Festival de Moscou, Festival Internacional de Houston e FestCine Pedra Azul. O filme também estreia no Uruguai e Argentina.
No lançamento, a decoração foi inspirada na estética do filme, com luzes coloridas. O tapete vermelho foi aberto à todo o público, que pôde posar para fotos em frente ao Boquelove, que estava em exposição. Dentro do teatro, painel de neon para fotos e fliperamas. O evento contou com a presença do elenco e produção, que subiram ao palco após a exibição do filme. Além do discurso do diretor e da produtora executiva, Rhaissa Gonçalves, que abriu a cerimônia, o evento contou com um pocket show com algumas faixas da trilha sonora interpretadas por Lucas e um momento para agradecimentos especiais. O Boqueirão marcou presença. Os torcedores do time de várzea do bairro, Clube dos XVI, que participaram do filme, chegaram trazendo a festa. Esticando bandeiras, cantando e pulando para prestigiar o filme.
Lucas Soares falou orgulhoso do cinema de guerrilha durante o discurso, rótulo do qual a produção sente orgulho. Em entrevista, o diretor afirma que a escolha de não participar de editais públicos para o financiamento do filme ajudou a manter a liberdade criativa. Além disso, o diretor enxerga o modelo de cinema feito por ele como uma forma de empreendedorismo. “Eu acredito no cinema como um produto […] e também fez parte da minha narrativa ter financiado o filme. Eu estava dentro da indústria dos Estados Unidos, observando as pessoas investindo nos filmes, investidores acreditando no cinema, até nos filmes menores. Eu pensei ‘Cara, faz mais sentido isso para mim’, por mais difícil que pareça no Brasil, eu quis começar esse movimento”.
Crítica: O que Coração de Neon tem a dizer?
(contém spoilers)
Pode parecer nichado. Afinal, quem não é de Curitiba consegue se identificar com aspectos como o cenário do Boqueirão, dos terminais, do vendedor de algodão doce vestido de capivara e do uso de gírias como “piá” e “tesão”? Essa questão era uma realidade para o diretor. Lucas conta que no início do projeto, ficou com receio da regionalização, mas resolveu seguir em frente. “Acreditei no regional como um potencial comercial também, porquê se você faz uma boa bilheteria em um lugar, o filme já é um sucesso comercial. Mas a história é universal. Por mais que se passe em Curitiba, acho que cada vez mais as pessoas estão buscando cinema fora do eixo, o Brasil de vários sotaques, o Brasil plural”, diz ele.
Neste aspecto, Coração de Neon é muito competente. A montagem do início, com o Boquelove passeando pelo bairro e mostrando cenas cotidianas, a barreira entre a realidade e ficção desaparecem para quem conhece o lugar – e é incomum se sentir assim fora do eixo Rio – São Paulo. Alguns detalhes, como o carro que estraga e precisa ser empurrado, a fofoca dos vizinhos e a festa de aniversário infantil, transmitem sinceridade. O filme acerta nas pequenas coisas. A escolha da trilha é uma delas, com nomes da cena de rap local, como P.A & P.H. Mostrar moradores de um bairro de classe média baixa que são obrigados a dividir suas ruas com a violência é um bom retrato em primeira mão da realidade.
A Curitiba que a “cidade modelo” tenta esconder está presente, cenário que ajuda o filme a fluir. Mas alguns problemas começam a aparecer no roteiro e no ritmo. A narrativa é fragmentada, fazendo com que questões complexas como a violência urbana e doméstica tenham solução não tão complexas assim. Quando Andressa é acusada de matar Lau, e seu marido, Gomes, aparece na tevê de farda pedindo desculpas à corporação da polícia, nada acontece. Não existe registro da armação do sargento ou de uma investigação policial, e a mulher segue em liberdade. Em uma lacuna de construção de personagem, Gomes quase se torna um vilão de desenho animado, sem motivações ou um plano definido.
Alguns conflitos com grande potencial poderiam ser melhor explorados, como quando Gomes invade a casa de Fernando e encontra Andressa. A impressão aqui é a de que o roteiro escolhe sempre o caminho mais curto. Depois de todas as brigas, agressões, suspeitas e mortes, o desfecho surpreende por ser no maior estilo “sonho americano”. Dá pra sentir falta de outros detalhes como a variedade de enquadramentos e cortes mais dinâmicos.
De qualquer forma, é bom ver Curitiba na tela, ainda mais quando o filme é palco para atores iniciantes e sabe escolher bons ganchos para a história a partir de ocorrências corriqueiras como um confronto entre torcidas organizadas e a polícia. Neste aspecto, é o Boqueirão, mas poderia ser qualquer cidade grande latino-americana. O destaque positivo vai para a ótima atuação de Wenry Bueno, no papel do vigia noturno, e Wawa Black, que domina a tela quando está na pele de Dinho – um personagem bem escrito, diga-se de passagem.
Qualquer um que se propor a produzir cinema em Curitiba, vai encontrar muito o que explorar. Aspectos como o sotaque, a cultura e a energia da cidade vão chamar atenção do público de dentro e fora dela. Além disso, desbancar a imagem da cidade perfeita das calçadas de petit pavet é travar uma batalha difícil. Esta perspectiva da vida urbana da capital paranaense é algo que não se vê todos os dias – e nisso, o longa-metragem não teve resistência em mostrar. A dificuldade, às vezes, é amarrar a história e estabelecer um foco narrativo. No fim, Coração de Neon pode até se atrapalhar na forma de passar a mensagem – se é que esse era o objetivo – mas convence de que o cinema curitibano tem muito a dizer. Vale parar para ouvir.
Ficha técnica
Coração de Neon
Lançamento: 2023
Duração: 100 min.
Roteiro e direção: Lucas Estevan Soares
Produção: Rhaissa Gonçalves
Distribuição: International House of Cinema (IHC)
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(Fotos: Isabella Honório)
1 Comentário
Fui à pré-estreia e a único destaque foi a performance de Wagner Jovanaci. Roteiro meia-boca, recheado de spoilers (sabia minutos antes o q ia acontecer) ou falta total de argumentos (várias cenas q acontecem “do nada”, como a entrada do mensageiro na casa da homenageada ou a aparição da mesma na casa do protagonista tempos depois). Aliás, protagonista plano, sem profundidade, assim como o ator. A cena mais interessante (contudo super clichê) foi a briga entre atléticanos e coxas. Muito ruim! Tempo e dinheiro do Uber perdidos.