As consequências das enchentes na saúde mental da população do Rio Grande do Sul estão sendo investigadas por pesquisadores do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Universidade Federal do Rio Grandes do Sul (UFRGS), com apoio da Rede Nacional de Saúde Mental (Renasam). Dados preliminares do levantamento, que já entrevistou mais de 1.100 pessoas, mostram que nove em cada dez moradores do Estado foram afetados psicologicamente após o episódio.
Os resultados também escancaram o impacto da desigualdade econômica na saúde mental: segundo o estudo, a população com renda familiar inferior a R$ 1.500 é quem mais sofre com ansiedade, depressão e síndrome de burnout na região.
O levantamento foi iniciado em meados de maio e está sendo baseado em questionários online. Os principais sintomas relatados pelos participantes se referem a casos de ansiedade (91%), síndrome de burnout (59%) e depressão (49%).
Os resultados preliminares também mostram que a ansiedade aflige 100% das pessoas com renda familiar abaixo de R$ 1.500 e 86,7% de quem tem renda acima dos R$ 10 mil. Já os sintomas de depressão são relatados por 71% das pessoas com menor renda, enquanto a taxa cai para 35,9% entre aqueles com melhor condição financeira. As taxas de burnout são de 69% no primeiro grupo, e de 47% no segundo. A pesquisa também indica que as mulheres são mais afetadas do que os homens por problemas psicológicos.
A psiquiatra Simone Hauck, coordenadora do estudo e professora da UFRGS, avalia que quem tem uma melhor condição financeira tende a ter os sintomas reduzidos com o passar do tempo, já que possuem mais recursos para reconstruir a vida. Além disso, a médica explica que o estudo deixa evidente, em dados, algo que já era imaginado: quem foi resgatado e ficou desabrigado, o que ocorreu principalmente com moradores de bairros vulneráveis das cidades do Estado, foi mais impactado psicologicamente.
“[As pessoas com mais relatos de problemas na saúde mental] são as pessoas mais impactadas pela enchente e são elas as que têm menos recurso material, estratégia e rede, em todos os níveis, para se recuperar de uma tragédia como essa. É algo que faz sentido e nos preocupa muito”, lamenta, ao explicar as diferenças de percepção sobre o impacto das enchentes entre indivíduos com diferentes rendas familiares.
Simone afirma que o mapeamento é muito importante justamente para apresentar quais são as áreas mais vulneráveis, possibilitando o planejamento das melhores estratégias para auxiliar as pessoas. Assim, ela destaca que, apesar de os dados serem preocupantes, é importante manter em mente que muitas delas vão se recuperar.
O estudo
Para os pesquisadores conseguirem descobrir, a partir do questionário, quais transtornos estão afetando os participantes, eles usam instrumentos de rastreio diagnóstico validados internacionalmente e no Brasil. Segundo Simone, é feita uma somatória das respostas dadas à cada pergunta – as questões tratam de sintomas e sensações. Ao fim, os valores das respostas são associados ás notas relacionadas à presença de ansiedade, depressão, burnout ou transtorno de estresse pós-traumático (que começou a ser avaliado a partir do dia 5 de junho e ainda não tem resultados divulgados).
O objetivo é levantar dados úteis para embasar iniciativas do poder público e treinar os profissionais para atendimento de saúde mental nos pontos mais vulneráveis. A pesquisa pretende acompanhar os moradores do Estado por, pelo menos, um ano. Segundo a coordenadora do trabalho, por enquanto, a ideia é divulgar resultados parciais ao longo desse período para informar, sensibilizar e facilitar o planejamento de ações para saúde mental.
Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
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