Há pessoas que nascem peixes, movimentam-se pelas águas mais assustadoras, mergulham em mares tenebrosos e voltam à tona como se tivessem guelras e rabos de sereia. Invejo esse tipo, posto que me ponho a salvo de qualquer água que não as de torneira e de copo. As grandes águas causam-me terror.
Entre as primeiras deficiências com que fui agraciado está a pulmonar. O futuro Hermann foi criança de peito a chiar, impossibilitado de dormir durante todos os invernos. Cachecóis, xaropes, cobertores e poções de todas as procedências foram tentadas. Nada foi capaz de aplacar a chiadeira, a não ser o clima curitibano. A diferença entre a umidade climático-pantanosa de Joinville e a umidade inverno-tiritante curitibana fez desaparecer os males pulmonares.
Senti saudade de alguns dos elixires com que fui tratado, entre os quais não posso deixar de citar o vinho Reconstituinte Silva Araújo, o conhaque de São João da Barra, os vinhos com mentruz e o vinho do Porto, este servido em mínimas porções, para não desfalcar nossa esquálida adega. Em contrapartida, sofri com a execrável Emulsão de Scott.
Nenhuma saudade me dá as aulas de natação a que fui obrigado a frequentar. Disponível, apenas a piscina do Tênis Clube, de águas gélidas naqueles invernos pré-históricos, anteriores aos dos trajes de natação com proteção térmica. Entrar na piscina significava nadar em uma câmara frigorífica capaz de conservar mamutes. Câimbras eram a menor das consequências.
Depois veio o mar. Para todo capiau aquela água azul, cintilando ao sol, parecia ser o paraíso. Não para quem sempre foi vítima da intrepidez. Lançou-se às águas traiçoeiras do mar de Itajúba sem aguardar a presença paterna, salvando-se pela habilidade aquática de um transeunte.
As traumáticas experiências fizeram com que este escriba passasse a manter distância da superfície aquática. Cataratas como as do Iguaçu ou Niágara são belíssimas de longe, avistadas de algum mirante. Os mares só devem ser navegados na segurança das cabines dos navios. Pescarias – delas nada sei.
No início fiz referência à certa simpatia por água de torneiras e de copos. A justificativa sobre a primeira é óbvia. Sem água corrente a humanidade não teria se mantido.
Já sobre os copos, não tenho dúvidas sobre os benefícios dos líquidos que comportam. Ainda que não tenham concorrido para manter azeitadas essas já velhas coronárias, mostraram-se fundamentais para garantir a assiduidade de Hermann Sheffield aos botecos e às mesas dionisíacas desta vida tão fugidia.