Sangue, neve e Steve Buscemi. Para quem estava procurando um filminho cult dos anos 90 para curtir em uma noite de frio e chuva dessas pelas quais Curitiba passou nos últimos dias, essa sinopse parecia ideal. Minha escolha foi Fargo (1996, disponível no Prime Video), uma viagem sombria e cômica pelo inverno da Dakota do Norte (EUA), no maior jeito de suspense policial neo-noir. Mas calma lá também, ainda é um filme com o Steve Buscemi. Ah, e feito pelos irmãos Ethan e Joel Coen.
A história é a seguinte: Em 1987, na pacata cidade de Fargo, o gerente de uma loja de carros, Jerry Lundegaard (William H. Macy) precisa de dinheiro e contrata dois criminosos (Steve Buscemi e Peter Stormare) para sequestrem a sua esposa e ficar com o resgate, que seria pago pelo seu sogro. Como já era de esperar, o sequestro se desenrola do jeito mais caótico possível, resultando em três assassinatos e muitas pontas soltas. Logo, Frances McDormand (Marge Gunderson), uma chefe de polícia grávida – de muitos meses – é designada para investigar todo o caso sozinha.
Beleza, eu sei que não parece engraçado. Mas apesar da violência explícita, das personagens desprezíveis, da ganância desenfreada, e de mostrar o pior lado do ser humano, Fargo consegue sempre achar um jeitinho de incluir a ironia e o absurdo na história, o que produz boas risadas. Os bandidos são atrapalhados, o marido é um completo imbecil e a policial parece ter saído de um comercial de margarina. Todos eles interagindo através de diálogos afiados e cheios de trocadilhos.
Como parte da sacanagem, o longa, que conta com um enredo que vai ficando cada vez mais absurdo e inacreditável, apresenta logo no início um letreiro dizendo “Este filme é baseado em fatos reais”. Mentira. Como Ethan Coen admitiu em 2016 para o HuffPost, o aviso foi adicionado ao filme apenas para dar a impressão de que se tratava de uma produção sobre a vida real. “Você não precisa ter uma história real para fazer um filme de história real”, declarou o cineasta. Mas então, de onde vem toda a visceralidade do filme?
Bom, apesar de não ser tudo exatamente verdade, alguns elementos do roteiro são baseados em crimes reais. Além da inspiração para o protagonista vir de um caso de um funcionário real da General Motors que alterava o número de série de veículos para fraudar a empresa, uma das cenas mais icônicas do filme, a do triturador de madeira, é inspirada no caso de Richard Crafts, um piloto de avião que assassinou a própria esposa e se livrou do corpo colocando o cadáver em um desses trituradores. Bom, entre essa história mórbida e o enredo que começa com um cara que quer ter a própria esposa sequestrada, dá para dizer que o filme não é sobre amor conjugal.
Com uma pegada bastante autoral dos irmãos Joel e Ethan Coen, Fargo entra para o hall dos grandes filmes indie da década. A coisa toda é meio “Tarantino tentando contar uma piada e falhando miseravelmente”, o que acaba funcionando muito bem. Inclusive, o filme foi adaptado para uma série de sucesso em 2014. Além das atuações sensacionais (oi, Steve Buscemi), o visual do filme é de tirar o fôlego. Nos cenários, o branco da neve destaca o vermelho do sangue e o ambiente gelado também congela uma tensão no ar durante todo o longa. Bem legal. Vale a pena visitar (ou revisitar).
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