O volume de golpes no sistema financeiro nacional deverá alcançar a marca de R$ 2,5 bilhões neste ano. E a estimativa é de que parte considerável desse montante (R$ 1,8 bilhão, ou 70%) esteja concentrada no Pix, sistema de pagamento instantâneos do Banco Central (BC). A estimativa dos bancos para o fechamento de 2022 leva em conta os dados até junho, período em que as fraudes atingiram R$ 1,7 bilhão, sendo R$ 900 milhões por meio do Pix.
Fontes do sistema bancário disseram que esse número, contudo, pode estar subestimado, já que nem todos os golpes e assaltos são reportados aos bancos pelos clientes. Oficialmente, não existe um número consolidado. Ao longo da pandemia e com aumento da digitalização dos consumidores, com mais transações sendo realizadas online, o cálculo é de que as fraudes tenham triplicado em dois anos. O Pix entrou em operação em 2020, rapidamente se popularizando entre os clientes de bancos.
Existem outras evidências de que os golpes financeiros estão se multiplicando: levantamento feito pela Serasa Experian mostrou que, em maio de 2021, um total de 331,2 mil brasileiros foram vítimas de algum tipo de fraude, sendo que 53,3% se concentraram em contas bancárias ou em cartões de crédito (ou mais de 176 mil ocorrências).
Para se ter uma ideia da velocidade de disseminação do problema, dois meses antes, em março, o total de fraudes relacionadas a bancos e cartões era de 79,9 mil. O estudo da Serasa Expert analisa números relacionados a crimes como utilização indevida de identidade e abertura de contas e emissão de cartões sem autorização.
Braço antifraude do serviço de monitoramento de crédito Boa Vista, a Konduto também identificou a gravidade do problema: apenas de janeiro a abril deste ano, foram cerca de 9 milhões de tentativas de fraude no comércio relacionadas a clonagem de cartão de crédito e a roubo de dados pessoais. Só em abril foram 2 milhões de ocorrências, alta de 117% em relação ao mesmo mês do ano anterior.
Além do roubo de dados por hackers, outro tipo de golpe que tem crescido no Brasil é a fraude classificada como “engenharia social”, que consiste na manipulação psicológica do usuário para que ele forneça informações confidenciais, como senhas de cartões e de contas. Levantamento recente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) apontou uma alta de 165% nesse tipo de ocorrência desde o início da pandemia. Neste ano, 1 em cada 3 brasileiros sofreu uma tentativa de golpe do tipo, aponta a associação.
Problema é mais grave no Brasil
As fraudes financeiras são um problema global que é comparativamente mais grave no Brasil. Em um estudo de fevereiro de 2022, a gigante americana IBM revelou que 31% dos brasileiros afirmaram ter sofrido algum tipo de golpe relacionado a cartões de crédito ao longo do ano anterior. Na Alemanha, por exemplo, esse número foi de 7% e nos Estados Unidos, de 18%.
Quem trabalha com cibersegurança no Brasil afirma que a questão é grave. “O Brasil é um mercado hostil e que tem um problema de segurança pública”, afirma Fabiana Saenz, especialista de segurança da Zetta, associação que representa as fintechs (startups do setor financeiro) no Brasil. “Quando apresentamos casos brasileiros em fóruns internacionais de cibersegurança, os estrangeiros ficam bastante impressionados com a maneira de atuação dos criminosos daqui”, conta José Luis Santana, líder de cibersegurança do C6 Bank.
O caminho para a recente “epidemia” de fraudes envolve alguns fatores internacionais. Os megavazamentos de dados do ano passado colocaram na internet informações pessoais de quase todos os brasileiros – assim, praticamente todos os cidadãos brasileiros são um alvo de golpe em potencial. Aliado a isso, a pandemia aumentou a base de usuários de serviços digitais, tanto nos bancos tradicionais quanto nos digitais.
Grupo de trabalho
Diretor de relações institucionais do Nubank, Bruno Magrani diz que as instituições financeiras formaram um grupo de estudos para discutir melhorias contínuas com o Banco Central. Fazem parte desse grupo Zetta, Febraban, Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos), Abranet (Associação Brasileira de Internet) e ABBC (Associação Brasileira de Bancos).
Uma das ideias discutidas hoje é o bloqueio em cascata de contas em ataque. “Uma das características de criminosos é movimentar dinheiro de maneira muito rápida entre várias contas. O processo atual para bloquear uma conta vítima de golpe é muito demorado, então a nossa ideia é poder bloquear de uma só vez contas que fazem o caminho do dinheiro por diferentes instituições financeiras”, conta Magrani.
Sugestões da Febraban
Como uma fatia considerável dos golpes é efetuada por meio do Pix, está em gestação um novo conjunto de sugestões de mudanças dentro dos grandes bancos, pacote que deverá ser apresentado pela Febraban ao BC.
Entre as principais ideias está a limitação do Pix de até R$ 500 por transação. Caso o cliente queira aumentar o seu limite, ele poderia fazer o pedido ao banco onde possui a conta, mas a leitura é de que ficaria o sinal de alerta por parte da instituição financeira. “Hoje, o limite do Pix é o mesmo que uma TED ou DOC, mas nesses casos, ao contrário do Pix, existe um tempo hábil para se conseguir reverter (o crime)”, diz outra fonte do setor bancário, que falou na condição de anonimato.
Outra sugestão seria tornar não obrigatório ter a ferramenta do Pix no aplicativo do banco instalado no celular. O relato é de que hoje muitos clientes sequer sabem que possuem uma chave que dá acesso às transferências instantâneas. Sem a funcionalidade no aparelho, haveria menos “motivação” para o crime.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já sinalizou preocupação sobre o tema das fraudes. Ele disse, em audiência na Câmara dos Deputados, que o trabalho é de coibir as “contas laranjas”, abertas usando o documento de outras pessoas, sem autorização. Trata-se de uma tentativa de melhorar o rastreamento do dinheiro roubado em golpes, uma vez que as quadrilhas costumam transferir rapidamente os recursos para “despistar” as instituições financeiras.
(Estadão Conteúdo)