O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alertado por diferentes órgãos sobre a disparada de fraudes nas mensalidades ilegais descontadas de aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desde 2023. Documentos mostram que os alertas vieram do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério Público, do Conselho Nacional de Previdência Social, da imprensa e de auditores do próprio INSS.
O esquema levou à queda do presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, e ao afastamento de outros dirigentes por omissão e falta de controle nas operações. O INSS alega ter tomado providências para aperfeiçoar o processo a partir de 2024, principalmente com adoção de biometria e o cancelamento das mensalidades não autorizadas pelos beneficiários, mas não explicou por que as fraudes aumentaram.
As fraudes ocorreram com valores cobrados por associações e sindicados de aposentados e pensionistas. Essas entidades oferecem serviços como consultas médicas, auxílio funeral e “marido de aluguel” (reparos residenciais) e cobram uma mensalidade que é descontada diretamente da folha de pagamento dos beneficiários.
Na maioria dos casos, os aposentados não autorizaram esses descontos e muitos sequer sabiam que estavam associados a esses sindicatos. As investigações mostram que houve negligência no tratamento do problema e as fraudes só dispararam, em vez de diminuírem ou acabarem.
Explosão de fraudes motivou investigações e alertas em 2023
Em 2023, a CGU iniciou uma investigação sobre os descontos indevidos devido às denúncias e ao aumento expressivo no número de mensalidades descontadas. O órgão justificou o trabalho “devido ao súbito aumento no montante dos descontos (de R$ 536,3 milhões em 2021 a R$ 1,3 bilhão em 2023)”, além de “fragilidade dos controles mantidos pelo INSS para a realização desses descontos, histórico de irregularidades reportadas e elevado número de requerimentos de cancelamento.”
A CGU fez alertas e constatou que o INSS não implementou controles suficientes para diminuir os riscos de descontos indevidos, conforme relatório da Controladoria. O INSS seguiu assinando acordos com os sindicados mesmo após uma suspensão ocorrida em 2019, com o crescimento significativo dos descontos a partir de julho de 2023, de acordo com os investigadores.
Os resultados das entrevistas com beneficiários que foram vítimas das fraudes foram encaminhadas pela CGU ao INSS no dia 3 de julho de 2024, nove meses antes da operação da Polícia Federal que mirou os envolvidos do esquema, em abril de 2025.
No dia 23 de julho do ano passado, a diretoria do INSS recebeu uma versão preliminar dos resultados, devido à gravidade da situação. No mês seguinte, em agosto, CGU e INSS se reuniram para buscar soluções. Em setembro, a CGU concluiu o relatório, constatando que o INSS não agiu para acabar com as irregularidades.
“Mesmo conhecendo essa situação, a existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACT (acordos de cooperação técnica, assinados com os sindicatos), o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos, e seguiu assinando ACT após a suspensão ocorrida em 2019, com o crescimento significativo dos descontos a partir de julho de 2023″, diz o documento.
A disparada dos casos ocorreu em 2023, mas as fraudes já haviam começado antes, ou seja, quando o governo Lula assumiu o INSS já sabia do problema. Em julho de 2019, o Ministério Público do Paraná avisou o INSS sobre diversas denúncias de descontos indevidos, o que levou o órgão a suspender os acordos com quatro entidades. Mesmo assim, os pedidos de cancelamento em virtude das fraudes continuaram crescendo.
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, foi informado, em junho de 2023, de que havia um aumento de denúncias de descontos sem autorização em aposentadorias e pensões do INSS durante uma reunião do Conselho Nacional de Previdência Social. A informação foi revelada pelo pela TV Globo e confirmada pelo Estadão. Ao Estadão/Broadcast, o ministro afirmou que determinou uma apuração sobre o tema, concluída em 6 de setembro de 2024. “Não me omiti, procurei agir”, declarou Lupi à reportagem.
TCU identificou fraudes e alertou INSS sobre falhas no controle
O TCU também fiscalizou os descontos e realizou diferentes reuniões com o INSS alertando sobre as fraudes, incluindo conversas com os integrantes do órgão nos dias 20 de setembro e 27 de novembro de 2023. A Corte de Contas fez uma inspeção de novembro de 2023 a março de 2024, a pedido do Congresso Nacional, e verificou que os controles mantidos pelo órgão para combater os descontos indevidos eram insuficientes.
Em junho do ano passado, 10 meses antes de a PF deflagrar a operação e o afastamento da cúpula do INSS, o TCU determinou que o governo só autorizasse novos descontos com assinatura eletrônica avançada e biometria. “Os processos atuais para consignação de empréstimos e contribuições para associações e sindicatos nas folhas de pagamento de beneficiários do INSS apresentam falhas de controles que ensejaram a averbação de consignações e descontos indevidos”, concluiu a Corte de Contas.
Além disso, o tribunal determinou que o INSS tomasse medidas para identificar e responsabilizar os sindicatos e associações suspeitas de fraudes e ressarcir os valores descontados indevidamente. No entendimento do TCU, o INSS poderia responder pelos descontos ilegais.
Em março de 2024, o portal Metrópoles revelou detalhes do esquema, apontando que os sindicados faturaram R$ 2 bilhões com descontos indevidos em um ano. O Ministério Público Federal (MPF) moveu uma ação judicial logo em seguida e pediu a suspensão dos acordos feitos pelo INSS com os sindicatos.
O próprio INSS reconheceu o problema ao editar uma instrução normativa no mesmo mês para atender as recomendações da CGU e do TCU. A portaria exigiu biometria para autorizar os descontos e instituiu o cancelamento automático a pedido dos beneficiários. Conforme o Estadão revelou, o então presidente do órgão usou a mesma norma para eximir o instituto de responsabilidade sobre as fraudes.
Auditoria interna do INSS identificou falta de fiscalização do próprio órgão
Uma auditoria interna do INSS, concluída em setembro 2024, identificou falhas no controle e falta de fiscalização do próprio órgão. Os técnicos apontaram R$ 45,5 milhões em descontos indevidos entre janeiro de 2023 e maio de 2024, erros na avaliação de risco de novas parcerias com sindicatos, falta de verificação da documentação dessas entidades e prejuízo aos cofres públicos.
Os custos operacionais do INSS com os acordos, que deveriam ser bancados pelas entidades, não estavam sendo ressarcidos. Somente nesse período, foram R$ 5,9 milhões em despesas não ressarcidas.
As conclusões foram encaminhadas para o comando do instituto, recomendando a revalidação dos descontos e a imediata exclusão de mensalidades não autorizadas, além de assegurar o ressarcimento dos custos do governo com o sistema e a fiscalização.
“A inserção de descontos indevidos representa impacto direto aos beneficiários, por vezes inseridos em um contexto socioeconômico em que o valor do desconto compromete a renda familiar”, diz a auditoria.
Governo diz que tomou providências, mas não explica por que fraudes aumentaram
O governo Lula alega que tomou providências para excluir as mensalidades descontadas indevidamente, mas não explicou por que as fraudes aumentaram. Procurado nesta segunda-feira, 28, o Ministério da Previdência Social reforçou a nota divulgada em conjunto com o INSS na semana passada listando as medidas adotadas. O INSS não teceu mais comentários.
“Das 11 entidades investigadas pela CGU, somente uma teve acordo assinado em 2023. As demais são de 1994, 2014, 2017 (2), 2021 e 2022 (5). Como é possível observar, esses descontos vinham ocorrendo em governos anteriores. Na atual gestão, ações imediatas foram tomadas”, diz a nota.
Entre as medidas adotadas, a primeira listada pelo governo é de janeiro de 2024, quando o INSS divulgou no site oficial e redes sociais como aposentados e pensionistas podem pedir bloqueio de descontos não reconhecidos no contracheque.
Além disso, o governo alega ter suspendido novos acordos com sindicatos e alterado as regras em março de 2024, com a edição da instrução normativa. A norma determinou que o desconto teria de ser formalizado por termo de adesão, com assinatura eletrônica avançada e biometria (para novos contratos).
O governo aponta o número de mensalidades excluídas para argumentar que agiu. “A diferença de exclusões do governo anterior com o atual é discrepante: em 2022 foram excluídos 115.541 descontos associativos. Em 2023 saltou para 465.061 exclusões. Em 2024 foram canceladas 1.516.500 mensalidades. E em 2025 (até 23 de abril) 374.609 mensalidades foram excluídas (tabela abaixo)“, dizem o ministério e o INSS. O aumento das exclusões, no entanto, se deu justamente com a disparada nas fraudes.
Até o momento, o governo não explicou por que as fraudes aumentaram em 2023 e 2024 apesar das medidas adotadas e dos alertas feitos pelos órgãos de controle. Conforme o Estadão mostrou, os motivos para a explosão dos descontos nesse período — quase todos sem autorização — passam pelo afrouxamento das regras, motivado por lobbies no Congresso Nacional, falhas do INSS no controle e indicações políticas para o órgão.
(Foto: Lula e o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, durante a posse do ministro no cargo, em janeiro de 2023. Ricardo Stuckert/Presidência da República)
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