Talvez você nunca tenha assistido Bonnie e Clyde (1967, disponível na Max), mas com certeza você já viu Bonnie e Clyde por aí. O filme, que é conhecido como um dos primeiros da Nova Hollywood – o movimento do cinema mais queridinho dessa coluna – é um daqueles que quando chega muda tudo. Resgatando o estilo bang-bang dos westerns dos anos 50 e esboçando o realismo sujo que tomou conta das telas nos anos 70, o longa transformou dois jovens criminosos da década de 30 em um dos casais mais famosos da cultura pop, e com razão.
É quase tudo verdade. Baseado na história de Bonnie Parker (Faye Dunaway) e Clyde Barrow (Warren Beatty), ladrões que aterrorizaram o interior dos Estados Unidos entre 1931 e 1936 acompanhados por sua gangue, o longa nos apresenta os protagonistas em uma cena inicial perfeita. Bonnie está a toa em casa, quando percebe que Clyde, um ex-presidiário charmoso, está no seu quintal tentando roubar o carro de sua mãe. Impossível resistir, é paixão à primeira vista. Conversa vai, conversa vem, e logo Clyde lhe faz uma proposta indecente: largar o emprego tedioso em uma cafeteria para ganhar uma grana – e muita fama – cometendo assaltos estrada à fora.
Com a direção de Arthur Penn, Bonnie e Clyde são pura química. Fazendo o tipo quietão, Clyde passou sua juventude na prisão, e mantém um ódio profundo pela sociedade. Difícil de se conquistar e longe de ser o tradicional garanhão, já avisa Bonnie logo de início: ele não é um “lover boy”. Já Bonnie é uma garota que não se contenta com a vidinha “da casa para o trabalho e do trabalho para casa” e mergulha de cabeça no estilo de vida marginal dos revólveres e hotéis de beira de estrada. Decidida e um pouco dramática (no melhor sentido da palavra), para ela, não tem mais volta.
Carimbada no imaginário popular pelas inúmeras manchetes de jornal, a Gangue Barrow contava também com o irmão mais velho de Clyde, Buck (Gene Hackman) e sua esposa Blanche (Estelle Parsons, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel). Outros membros do grupo, que foi responsável por diversos roubos a lojas e bancos, além de pelo menos nove assassinatos, são representados pelo cômico personagem C. W. Moss (Michael J. Parsons). Mas nem só de tiros vive uma gangue. Os Barrows também ganharam fama com a publicação dos poemas de Bonnie, que tinha uma impressionante vocação para a literatura, sobre a vida na marginalidade.
Super moderno, o filme não coloca Bonnie de escanteio, como poderia se esperar de uma produção dos anos 60. A direção surpreende na forma de retratar a ladra, que não fica de escanteio em momento algum. O relacionamento amoroso se desenvolve de forma nada clichê: muito antes de aparecer o romance, surge uma amizade – e mais importante, uma forte parceria. Neste sentido, Penn entendeu muito melhor que alguns de seus cineastas de sua época (alô Coppola em Megalópolis) que não precisa sempre tratar as mulheres de seus longas como personagens secundários. Mesmo que seja um filme de época, não é só porque a sociedade as enxergava dessa maneira, que isso quer dizer que elas eram realmente assim.
O roteiro é simples e direto. Afinal, a Gangue Barrow se resumia a um Ford V8, armas automáticas Browning e um “Casalzinho Pegando Fogo”, como já diria Jupiter Apple. Do momento em que Bonnie e Clyde se conhecem até as suas mortes antes dos 25 anos – que aliás, renderam uma das minhas cenas violentas favoritas – são 111 minutos de ação de altíssima qualidade. Mas vai com calma, não é um daqueles filmes de crime cheios de dinheiro, sexo e carros em alta velocidade. Afinal, durante a Grande Depressão a grana estava curta, Clyde era um cara tímido até para dar uns beijinhos e os carros não corriam muita coisa. É um true crime das antigas, e um romance de primeira.
Leia outras colunas da Isa Honório aqui.