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Jogo do Tigrinho vicia famílias, atrai golpistas e é alvo da polícia

26/06/2024
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estadão

O caso da enfermeira Gabriely Sabino, de 23 anos, moradora do interior de São Paulo que fugiu de casa, chamou a atenção para o ‘jogo do tigrinho’. Segundo a família, amigos disseram que a jovem, que já foi reencontrada, estava viciada nesse jogo de apostas online e acumula dívidas.

Considerado uma espécie de cassino virtual, o ‘tigrinho’ se propaga no País com a ajuda de influenciadores digitais. Como é considerado jogo de azar, quem faz a propaganda do ‘tigrinho’ pode incorrer em contravenção penal, além de crimes contra o consumidor e estelionato.

Também se multiplicam as tentativas de golpes para se aproveitar dos apostadores e as operações policiais que miram os criminosos. O Estadão procurou a empresa responsável pelo game online, mas não obteve resposta.

Uma família de Sorocaba (SP) joga o ‘tigrinho’ desde o início do ano e relata uma rotina de perdas e ganhos. Os quatro familiares – a mãe, dois filhos e duas noras dela – seguem influenciadores que postam os jogos com aposta mínima de R$ 10. Neste domingo, 24, o filho e a nora da dona de casa tiveram os jogos bloqueados depois de depositar R$ 300 para resgatar um suposto ganho de R$ 4.060.

“Ele ganhou R$ 2.460 e ela R$ 1.600, mas não conseguiram sacar. Ele tinha depositado R$ 100 e ela, R$ 200, mas foram bloqueados. Era golpe”, disse a mulher que pediu anonimato “por vergonha”.

O filho dela, que fez o depósito de R$ 100, disse que, quando atingiu o valor mais alto, foi informado por um suposto auditor que sua conta tinha sido bloqueada por segurança e colocada sob “contole de risco”. O pedido inicial foi de um depósito de R$ 200 para liberar o saque.

Caso não fizesse, o dinheiro continuaria preso para sempre. Ele foi convencido a pôr mais dinheiro, até ser informado do bloqueio permanente da conta, a menos que depositasse R$ 700. “Esse valor será adicionado à sua conta e não à conta de outra pessoa. Fique tranquilo, nossa plataforma vem de um país respeitável”, escreveu o golpista.

A vítima revelou que todos na família jogam, menos seu pai. “Eu jogo, meu irmão joga, minha mulher, minha mãe, minha cunhada. Mas jogamos no risco de ganhar ou de perder. Muitos amigos também jogam. A gente joga consciente”, disse.

Especialistas, porém, alertam sobre os riscos à saúde desse comportamento compulsivo, que deve crescer com a popularização dos games online. No Brasil, a estimativa é que de 1% a 1,3% da população tenha problemas patológicos relacionados ao hábito.

O vício em apostas é um transtorno reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Veja sinais de alerta:

  • Necessidade crescente de apostar, com valores cada vez maiores;
  • Alteração de humor (irritabilidade, agitação ou tédio) quando tenta interromper o ciclo de apostas;
  • Insucesso no controle das apostas, com tentativas repetidas e frustradas de larga vício;
  • Pensamento e planejamento constantes sobre os próximos atos de apostar;
  • Angústia, tristeza ou ansiedade ao tentar se divertir ou sentir prazer sem apostar;
  • Pensamento irreal de que tem a capacidade de “recuperar o prejuízo” com mais apostas;
  • Mentiras: comportamento antissocial e negação do problema, com tentativas de tentar minimizar a frequência das apostas até para pessoas próximas;
  • Comportamento de risco: arrisca aspectos e relações importantes da vida como finanças, emprego, progresso acadêmico ou relacionamento afetivo em favor das apostas;
  • Falência: depende de outras fontes de renda para sustentar o vício.

A dona de casa disse que, mesmo depois do golpe, a família não vai parar de jogar. “Vira e mexe tem um ganho bom e qualquer dinheiro que sobra a gente vai pondo lá. Ninguém é viciado ao ponto de jogar R$ 5 mil, R$ 10 mil. Joga um pouquinho, mas não deixa de ser um vício, não é?”

Fortune Tiger, o famoso Jogo do Tigrinho

O Fortune Tiger, mais conhecido no Brasil como ‘jogo do tigrinho’, foi desenvolvido pela PG Soft, empresa com sede em Malta. O game pode ser acessado até mesmo pelos celulares mais básicos e passou a ser promovido por influenciadores digitais em suas páginas nas redes sociais. Para aliciar os seguidores, os influencers passaram a postar fotos e vídeos simulando ganhos rápidos e fáceis.

Influencer alvo

No dia 16, uma influencer de 20 anos, com mais de 300 mil seguidores, foi alvo de operação da Polícia Civil em São José dos Campos (SP). A investigação aponta que ela teve ascensão patrimonial ‘meteórica’ adquirindo, em pouco tempo, carros de luxo, moto aquática e uma casa em condomínio de alto padrão.

Conforme a SSP, são investigados supostos crimes contra o consumidor, contra a relação de consumo, contra a economia popular, lavagem de dinheiro e contravenção penal por divulgar em redes sociais jogos de azar.

Paraná

Em maio, a Justiça do Paraná expediu mandados de prisão e de buscas contra três influenciadores que atuavam em uma plataforma que direcionava seus seguidores para o ‘jogo do tigrinho’. Só um deles tinha mais de 500 mil seguidores e movimentou, em alguns meses, R$ 8,5 milhões.

Em suas páginas, o grupo postava carros de luxo e fotos de viagens para destinos icônicos, como Paris e Dubai. Eles já tinham sido alvos de operação em 2023, mas descumpriram ordens judiciais de não voltar a fazer propaganda do jogo.

Influenciadores paranaenses

O advogado Jackson Bahls, que defende os três influenciadores do Paraná, afirmou que a Justiça revogou as prisões de dois deles que estão no no Brasil. O terceiro, que está em Dubai, é cidadão dos Emirados Árabes e ficará lá até o fim do processo, segundo o advogado. “Vamos demonstrar que a operação foi um grande engano contra eles”, disse.

Maceió

Em Maceió, a Polícia Civil deflagrou este mês a Operação Game Over contra 12 alvos, entre eles influenciadores, agenciadores e intermediários da fraude, apontados como responsáveis por cooptar apostadores em redes sociais.

Os carros de luxo apreendidos, entre eles um Corvette e três Porsches, somam mais de R$ 5 milhões. Foi pedido bloqueio de R$ 38 milhões do patrimônio dos investigados. Apenas uma influencer, com mais de 1 milhão de seguidores, é suspeita de cobrar R$ 80 mil para inserir postagens do ‘tigrinho’ em seu perfil.

No pedido à Justiça para realizar a operação, a polícia de Alagoas detalhou que os influenciadores de cassinos digitais criaram contas para demonstrar ao público como jogar e ganhar, mas os ganhos são fictícios.

O trabalho de persuasão, segundo a investigação, inclui postagens de uma suposta vida de luxo propiciada pelo jogo, como mansões, carros potentes e viagens a destinos turísticos requintados. O pagamento aos influenciadores é baseado em comissão conforme o número de seguidores que começam a jogar o ‘jogo do tigrinho’.

Imagem: Reprodução

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