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OPINIÃO

Mediação e sua essência

15/04/2024
mediação

Por Angelo Volpi Neto

 

O tema Mediação parece cada vez mais em pauta e as razões são inúmeras. Algumas antigas como o custo e a demora na resolução de conflitos e outros bem atuais, como o incremento do uso de aplicativos sociais e principalmente o WhatsApp, certamente o maior responsável pela crise de intolerância e violência em meio à qual vivemos. Da era da informação passamos à da comunicação, que se tornou imediata, fria e insensível. A urgência e ansiedade surrupiam a ternura e frequentemente o bom senso, perdeu-se “o sentir”, a empatia. E nessa urgência pela busca da mediação, muitas vezes perde-se também a sua essência.

 

Uma confusão frequente é confundir mediação como um método de busca da justiça, substantivo que ilustra vários significados, porém, nenhum que remete ao consenso, à concórdia, à consonância e harmonia. Justiça evoca principalmente o conceito de decisão por uma sentença que pune e vinga. Portanto, mediação não é justiça em nenhum de seus sentidos, seu resultado não tem o status de sentença, não há autor nem réu.

 

Nesta toada a cada dia se busca mais regular a mediação e mais se afasta da sua essência. Ela deve estar liberada de rituais e normas pois os mediados e suas diferenças são únicos e personalíssimos. As técnicas são aplicadas na medida do andamento da sessão, não há fórmula pronta, assim como não existem certezas inquestionáveis para um mediador. Neste ponto a Lei nº 13.140/2015 começou bem pois já em seu art. 2º incisos III e IV, prevê como princípios a informalidade e oralidade, mas parece que ninguém presta atenção a isso, querendo sempre enquadrar a mediação sob regras.

 

Outro grande equívoco é tratar a mediação como sinônimo de conciliação, cujo significado deriva do latim consilium, ou seja, conselho. Portanto quem concilia dá conselho, recomenda, sugere. Algo que um mediador jamais deve fazer. Cada método tem seu espaço, a conciliação não se aprofunda nos relacionamentos, nesse sentido é superficial e objetiva pois enfrenta somente aquele conflito pontual, seria a mesma coisa que comparar um canivete suíço a uma faca.

 

Vejam que, quando temos um painel num congresso ou seminário ou mesmo num debate, temos a figura do mediador, e por que não se chama de conciliador? Logicamente que nesse caso é outro tipo de mediação. O objetivo é outro, mas serve como comparação justamente porque a mediação significa interceder para harmonizar, suscitar esclarecimento de um discurso, aproximar os debatedores e o público.

 

Dentro desta confusão entre mediação e conciliação, vemos cada vez mais se atribuir aos magistrados de uma causa o mediar. Mas ele não pode mediar, porque a desconfiança pesa sobre sua “espada”. Aquele que terá o poder de sentenciar é suspeito em mediar e a meu ver também em conciliar. São atividades incompatíveis, o poder da sentença versus a singeleza da busca de consenso, e não é só o magistrado. O rabino, o padre ou qualquer um que tenha poder sobre os mediados deve se abster, salvo se estiver destituído desse poder no caso.

 

Outro erro recorrente é mensurar a qualidade ou eficiência da mediação pelo índice de acordos. O objetivo principal da mediação não é o acordo, mas sim a restauração do diálogo, do relacionamento humanizado. A Lei acima citada no mesmo artigo inciso VI prevê a busca do consenso e não do acordo, que são coisas diferentes. Porque o acordo não deve ser uma obsessão do mediador, ele pode vir como uma consequência natural de uma mediação, mas não podemos avaliá-la por um só critério. Os serem humanos e seus problemas são muito mais complexos do que isso, a mediação não é uma ciência exata.

 

Tive um caso emblemático entre irmãos que não se falavam havia anos, ao contrário, se por acaso se encontrassem no mesmo ambiente o risco de agressão era iminente. Havia mágoas e ressentimentos desde a mais tenra idade, numa família completamente desestruturada, onde pais, avós e irmãos representavam um universo dos mais variados problemas. Ocorreu que se avolumavam os processos na justiça entre eles durante mais de 15 anos, o inventário dos genitores transitava sem a menor possibilidade de resolução. Então os próprios advogados sugeriram a mediação, percebendo que não veriam o final daquilo. Após várias sessões individuais com cada um e seus advogados, consegui uma comum, e a partir daí mais quatro onde puderam dizer tudo o que pensavam e sentiam e por mais de uma vez quase foram às vias de fato. Após cinco sessões, não houve acordo sobre questões materiais, mas eles conseguiram conversar e relacionar-se civilizadamente dali em diante. Somente dois anos depois conseguiram um acordo e, portanto, considero que a mediação teve sucesso, pois a semente do consenso foi plantada e a partir daí houve progressos, um pôde colocar-se no lugar do outro e entender as consequências de seus atos.

 

Mediar pessoas é aceitá-las, valorizá-las, é respeitar e dar afeto, ternura, admiração e compreensão. Se quiser pode chamar isso de dar amor também. Em casos de família não há como um mediador ser indiferente, pois alguma coisa sempre nos toca, é algo ancestral. A família é onde tudo começa e termina.

 

A mediação deve buscar o reconhecimento das diferenças, o respeito a empatia e a solidariedade, o que se consegue somente através do diálogo franco, com escuta ativa, quando cada um consegue compreender quais sentimentos e consequências suas atitudes e atos infligiram ao outro. A onda da comunicação digital nos fez perder a sensibilidade de escutar, e não somente ouvir. Quando não prestamos atenção cometemos também uma agressão. A semente da discórdia pode estar no discurso ou no silêncio e na indiferença. Mediar é dar meio ao diálogo.


Angelo Volpi Neto é tabelião em Curitiba, mediador desde 1994, presidente honorário do Instituto de Mediação e Arbitragem IMAB

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